A Escola Secundária António Gedeão, em Almada, é uma escola que acompanha o passar dos tempos e que cresce em conjunto com as necessidades e exigências de cada época, mantendo a herança e os ensinamentos do seu patrono, o professor Rómulo de Carvalho, escritor e poeta António Gedeão.
Estivemos à conversa com o atual diretor, o professor José Manuel Godinho que nos deu a conhecer o passado, o presente e as direções do futuro da sua escola e agrupamento.
De forma a dar a conhecer a Escola Secundária António Gedeão ao nosso público, como a descreveria? Qual a sua essência e os valores que a diferenciam das demais?
A história da escola teve início em 1983 e à época recebíamos apenas alunos até ao 3.º ciclo, só mais tarde conseguimos abranger o ensino secundário. Foi três anos mais tarde, em 1986, que esta escola se consolidou enquanto Escola Secundária da Cova da Piedade. Esta escola foi criada com o intuito de dar resposta ao excesso de alunos que havia – surpreendentemente -, no concelho do Seixal.
Foi já nos anos 90 que mudámos de nome para Escola Secundária António Gedeão. Esta alteração consolidou-se aquando da visita do professor Rómulo de Carvalho, o escritor, o poeta António Gedeão, que assim oficializou a atual designação.
Com o decorrer dos anos a escola foi crescendo, não só em termos de alunos, como também em pessoal docente e não-docente. Neste momento, aos 38 anos de existência é, desde 2013, sede do Agrupamento de Escolas António Gedeão, agregando agora outras cinco escolas, que formavam um outro Agrupamento já existente. Hoje somamos 2120 alunos, do Pré escolar ao 12º ano.
De um modo geral, esta é uma escola com um historial educativo bastante vasto e reconhecido! Por aqui passaram nomes muito conhecidos do mundo do desporto e das artes performativas, alguns ainda hoje em contato com a escola.
Durante o percurso temos desempenhado com rigor, o nosso serviço público, no que diz respeito à educação portuguesa, mantendo as portas abertas a uma comunidade vastíssima que abrange praticamente todo o concelho de Almada e não só.
No nosso projeto educativo, os valores incidem naquilo que acreditamos ser necessário ter e defender para prestar um bom serviço educativo, nomeadamente, a inclusão, a solidariedade, o respeito pela diferença, a compreensão, a valorização das capacidades individuais, enquanto trunfos para vivermos numa sociedade aberta ao diálogo e não ao conflito. Preconizamos a coexistência pacífica. Estes valores são defendidos acerrimamente, junto de toda a comunidade estudantil, desde o nosso aluno mais novo ao mais velho. O nosso projeto educativo assenta, principalmente, no enorme projeto que temos a decorrer no concelho de Almada que é o “Novos Tempos para Aprender” do qual falarei mais à frente.
A história da Escola remonta ao ano de 1983, há 38 anos. A preservação da história e a inovação seguem de mãos dadas?
Sem dúvida, enumero alguns exemplos práticos da inovação que se sente e se pratica no nosso Agrupamento. O Plano de Ação de Digitalização das Escolas está a decorrer – é composto por várias fases, estamos na fase final da consolidação do que foi feito nos dois anos anteriores – desde o primeiro momento que abraçámos este projeto. Fizemos grandes aprendizagens aquando da pandemia, ao nível das Novas Tecnologias de Aprendizagem, mas não fomos ensinados, aprendemos com a experiência fruto da necessidade, as formações que existiam não eram em número suficiente para que toda a comunidade estivesse preparada para a exigência daqueles terríficos momentos. Entretanto surgiu legislação específica, quando se percebeu, genericamente, que o futuro passava por esta digitalização de processos e do saber ensinar… aliás, é assim que o mundo funciona hoje: pelo digital.
Por outro lado, este Plano foi complementado com um outro projeto que se prolonga já há dois anos: o Projeto Manuais Digitais. A nossa Escola Secundária é a Escola mentora de outras cinco escolas do concelho que aderiram a este projeto. Este é um projeto muito importante para os nossos jovens, pois ensina-lhes uma outra forma de se relacionarem com a tecnologia, de utilizarem os smartphones, os tablets, os computadores – algo que eles já utilizam diariamente , mas nem sempre da melhor forma. Com este plano promovemos uma outra forma de estar e de lidar com estas ferramentas, dentro e fora da sala de aula. O que estes dois projetos nos mostram é que há formas distintas, mas igualmente válidas e até mais atualizadas, de ensinar e de estar em sala de aula, em conjunto, em grupo e individualmente. Apesar de toda esta digitalização, não trabalhamos apenas com computadores! Reconhecemos a importância dos livros físicos e da escrita manual, especialmente em idades mais tenras, nas quais a motricidade fina, a ortografia, até o folhear de um livro, são aprendizagens fundamentais a fazer.
Enquanto patrono da Escola, quanto da herança do poeta António Gedeão que celebrou a sua vida através da Arte e da Ciência, podemos encontrar na Escola?
O nosso grande poeta António Gedeão era um homem versátil. Como ele próprio dizia: “Ser professor não é uma questão de decisão, mas de aptidão e convicção, algo que fazemos por amor.” Quando marcou presença aqui na escola, afirmou que “Um professor não se deve restringir à sua área de formação, mas ser transversal a todas elas” e ele era exemplo disto mesmo. Era professor de Física e Q
uímica, poeta, investigador… ou seja, para além das ciências, era um homem da arte da escrita, que escrevia sobre aquilo que observava no seu dia a dia. Um pouco como Cesário Verde, que pintava por letras aquilo que observava. Dos contatos que estabeleceu connosco, pediu-nos para nunca pararmos de tentar que a escola lecionasse todo o tipo de áreas que fossem possíveis, para que não permitíssemos que a escola fosse limitada e estanque, pois assim estar-se-ia a limitar a liberdade de pensamento e a criatividade dos alunos.
Esta era uma grande luta sua, especialmente naquela época em que muitas escolas se especializaram ou já existiam, apenas como escolas industriais, comerciais, etc. A Sec. António Gedeão seguiu esta versatilidade! Contudo, por vezes, devido a fatores como as preferências dos alunos ou a falta de professores, há determinadas áreas que deixam de fazer parte da oferta de escola, temporariamente. Quando a escola for requalificada, o que está para breve, acredito que tenhamos outro tipo de condições para atrair alunos para estas áreas. Atualmente lecionamos humanidades, ciências experimentais e tecnologias, economia, cursos profissionais, desde há muito direcionados para a experimentação científica. O nosso Clube de Ciência Viva, na sua transversalidade, é exemplo disso. Temos um protocolo há já vários anos com a Faculdade de Ciências da Universidade Nova e uma riqueza de trabalho laboratorial muito vasta, desde a Física e Química até à Biologia e tem sido por aí que nos destacamos. Apesar disso, os nossos cursos de Línguas e Humanidades são muito procurados e continuamos a completar as turmas das vias profissionalizantes. Mas porque o mundo comunica e rege-se não apenas por palavras, mas também por números, temos um projeto muito dinâmico e profícuo sobre a aprendizagem da Matemática: o projeto Pedro Nunes. Toda esta variedade é muito positiva e acaba por atrair muitos estudantes novos e contribui para fixar os alunos. Nesta forma de estar na Educação, a herança do professor Rómulo de Carvalho, considero que nos destacamos.
Esta é uma Escola ativa em termos de número de projetos e de variedade das suas temáticas. De que modo este modelo educativo se alinha com as exigências do mundo atual?
Estamos muito bem alinhados, mas reconheço que há caminho a percorrer. Em termos de sociedade, algo que nos diz respeito a todos, vivemos num período de diversos conflitos armados, aparentemente longe, mas ao mesmo tempo muito próximos. Abala aquela sensação de tranquilidade que nos apraz, mas estimula a importância de pedirmos um mundo em paz. Esta situação, em conjunto com a crise climática e a questão das migrações em massa, por exemplo, são preocupações visíveis nos alunos. Isto é percetível pela adesão dos alunos a projetos, que digam respeito à solidariedade, à justiça social, à defesa do meio ambiente. As escolas, espelhos da sociedade, têm que criar formas inteligentes de ligar os alunos ao mundo, envolvendo-os na construção de um mundo sem ódio, sustentável, dando-lhe esperança e motivação. Tal já se nota na forma calorosa com que acolhemos alunos estrangeiros, que frequentemente chegam às nossas escolas. Também no concernente ao ambiente, a participação ativa dos jovens em todos os projetos que visam a respetiva preservação, é assinalável. Projetos e Clubes como a Escola Azul, Clubes da Europa – Relações Internacionais, Erasmus +, etc., promovem o desenvolvimento da consciência social e ambiental, no global, tão essencial nos dias de hoje.
Em matéria de inclusão, há algo que muito nos orgulha: Somos um dos Agrupamentos com mais unidades de Espetro do Autismo, três no total: Uma que abrange alunos do 1.º ciclo, outra do 2.º ciclo e agora – desde há 2 anos – uma terceira que abrange o 3.º ciclo e o ensino secundário, das únicas no distrito de Setúbal. Esta última constitui-se como uma enorme necessidade, pois as famílias nem sempre têm possibilidade de colocar os filhos em centros de acompanhamento especializados, adequados às idades mais avançadas. É preciso apoiar estes jovens, com estas patologias e outras, a nível mental ou físico e ajudá-los a integrarem-se na sociedade ou pelo menos assegurar-lhe alguma autonomia, tornando o seu futuro mais risonho.
Em relação a grandes projetos educativos que envolvem o Agrupamento, estamos inseridos, tal como todos os Agrupamentos e Escolas não agrupadas do ensino público de Almada, no projeto “Novos Tempos para Aprender”. É um projeto inédito a nível nacional, porque não se conhece outro município em que todas as escola públicas tenham implementado a mesma forma de estar em relação aos procedimentos internos e até ao calendário escolar: todos adotámos os semestres em detrimento dos períodos escolares.
Relativamente à avaliação dos alunos, decidimos que chegara o momento de apresentarmos um projeto diferente – antevendo as politicas educativas que viriam a centrar-se nas competências individuais e aprendizagens essenciais do aluno -, começando a privilegiar mais a avaliação formativa, entre muitos outros aspetos. Com este Projeto, criámos uma verdadeira Comunidade Educativa, composta pelas 15 Escolas, que colaboram entre si e se complementam, em permanente partilha. É realmente extraordinário!
Uma vez que este é um Agrupamento que abrange Escolas desde o 1º ciclo ao Ensino Secundário, existe uma relação entre estes níveis de ensino, de modo a promover a interajuda e correlação?
Sim, articulamos de várias formas, vertical e horizontalmente, e até existe nos horários dos professores um dia por semana, as quintas-feiras à tarde, para fazermos as nossas reuniões de grupo, reuniões disciplinares e outros encontros a nível de ensino. Existe uma articulação vertical producente, mas o importante é que os alunos mais novos sabem e veem o trabalho que se faz no Ensino Secundário e vice-versa. Existe uma preocupação muito grande em articularmos o trabalho em conjunto para que haja sequência, uma continuidade no acompanhamento da criança, em termos educacionais e de aproveitamento escolar. Há que manter o Agrupamento enquanto unidade, mas não perdendo de vista a essência de cada uma das escolas que o compõem.
Em termos de preocupação com a saúde mental e o bem-estar, que apoio dispõe a escola para a sua comunidade?
Através do Serviço de Psicologia e Orientação contamos com o apoio de dois psicólogos educacionais e clínicos que desenvolvem um trabalho muito profícuo em equipas multidisciplinares de apoio à inserção educativa/orientação escolar e que, por vezes, abrange também as famílias. Por outro lado, o convívio são que existe entre toda a comunidade educativa, professores, alunos, assistentes e mesmo com as famílias. Seis escolas no Agrupamento, seis Associações de Pais e o trabalho realizado em conjunto é enorme. Isto só é possível graças ao respeito que existe entre os docentes e as famílias. Há um respeito e entendimento mútuos que fazem com que as crianças e os jovens sintam que há um trabalho de parceria entre as suas casas e a escola, com benefícios para todos.
O que gostava que um/a aluno/a que saísse da Escola Secundária António Gedeão dissesse sobre o período em que aí estudou?
Acima de tudo, gostava que retirasse muito proveito do trabalho que aqui fez, que saísse com um sentimento de missão cumprida e com uma empatia pulsante pela escola. É importante que os/as nossos/as alunos/as concluam aqui o seu percurso e tenham a consciência de que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para os/as ensinarmos e para os/as prepararmos para a vida lá fora, o melhor que pudemos. Gostaria que saíssem daqui com a sensação de gratidão, não para que nos agradeçam, mas para que reconheçam: “Prepararam-me de uma forma que eu acredito que me vai ser útil”. É que o nosso principal objetivo é formar cidadãos conscientes, solidários e contributivos para uma sociedade pacífica e sustentável, liberta de egoísmos e indiferença.