Entrevista Selo SaudávelMente – Agrupamento de Escolas Alto dos Moinhos
O Agrupamento de Escolas Alto dos Moinhos localizado na Terrugem, Sintra, é um Agrupamento dinâmico em termos de atividades e projetos realizados e com várias distinções ao nível da saúde mental e do bem-estar da comunidade, já atribuídas. A propósito do Selo SaudávelMente, atribuído pela segunda vez consecutiva, fomos entrevistar a Psicóloga Responsável pelo Serviço de Psicologia e Orientação – SPO, a doutora Carla Rodrigues Campos, a fim de conhecer a realidade deste Agrupamento e as boas práticas que se realizam nesta comunidade.
Esta é uma escola que já tem na sua história vários selos e distinções atribuídas. Trabalham em busca de obter distinções ou estas são uma consequência do trabalho que fazem?
É uma consequência do nosso trabalho, não há uma procura consciente por distinções. Em outras escolas por onde passei, senti que o papel do psicólogo era associado a quem não tinha saúde mental, estava muito estigmatizado. Nesta escola, temos uma política de trabalho muito próxima da nossa comunidade, a porta do Gabinete está sempre aberta, seja para alunos, professores ou funcionários. A partir deste propósito, fomos construindo programas e atividades que nos aproximam de toda a comunidade escolar, incluindo os pais. A conquista dos selos é efetivamente uma consequência de todo este trabalho diário conjunto.
A saúde mental esteve, ao longo da sua história, envolvida em estigmas e preconceitos. Da sua visão profissional, na Escola Alto dos Moinhos, sentiu sempre abertura e aceitação para desenvolver o seu trabalho e abordar estas temáticas?
No início do ano temos uma reunião geral à qual comparecem, para além dos professores, os pais e nesse momento, eu abordo sempre a temática da saúde mental. É inequívoco que depois da pandemia, houve uma preocupação maior, sobretudo por parte dos pais, mas era uma preocupação que já vinha a ser tida em consideração pela Escola. Durante a pandemia foram prestados inúmeros apoios online, conversas com os pais… muitos destes apoios, vinham já de uma grande proximidade anterior.
À vossa escola foi atribuído o selo Escola Saudávelmente, um selo que reconhece e distingue as escolas portuguesas pelas suas políticas e práticas educativas que demonstram um compromisso forte e efetivo com a promoção do desenvolvimento ao nível cognitivo, emocional, social, de carreira, da aprendizagem, da inclusão e da saúde psicológica de toda a comunidade educativa. Quais as práticas adotadas que valeram a conquista desta distinção?
Para além da porta aberta, desde 2019 que fazemos formação não-formal ao nível socioemocional, através da qual se desenvolvem várias atividades neste âmbito. Dispomos também de uma equipa que trabalha a questão do bullying, temos também o programa “Happys”, através do qual trabalhamos com as crianças ao nível da orientação e suporte familiar. No fundo, temos vários programas que abrangem todo o universo do Agrupamento que é constituído por onze escolas e não apenas na escola-sede, é um trabalho transversal. Este foi um aspeto muito valorizado na nossa candidatura ao Selo Escola SaudávelMente.
Se é de capital importância atuar junto de quem tem falta de saúde mental, é igualmente imprescindível atuar ao nível da prevenção. Como gerem a vossa atuação neste sentido?
Com a formação não-formal ao nível socioemocional que realizamos, é exatamente isso que pretendemos: dar aos jovens ferramentas para que eles consigam gerir as suas questões internas e as suas questões sociais. Esta formação é dada não só a jovens, como a crianças de 1.º ciclo, aqui está a transversalidade da nossa atuação. Agir num momento de crise é algo do foro clínico e requer outro tipo de cuidado, agir preventivamente é algo que nos compete enquanto profissionais do Serviço de Psicologia e Orientação da escola, esse aspeto é muito valorizado por este Agrupamento. Não menosprezando a importância de atuar quando já existe essa necessidade, como referiu.
Relativamente ao impacto de todo o trabalho desenvolvido pelo gabinete de SPO, quais as conclusões observáveis?
É observável de uma forma muito direta, que as questões graves de indisciplina são inexistentes na nossa Escola e o nosso sucesso educativo é também satisfatório. Ao nível da cultura de bem-estar há algo visível que é muito importante: as nossas crianças são felizes aqui na escola, envolvem-se ativamente nas atividades e gostam de vir para a escola. Quando alguma coisa corre menos bem, por exemplo, quando existem retenções no 9.º ano, eu vou às salas de aulas e faço orientação vocacional e percebo que eles não estão revoltados, estão bem, apesar do percalço e são ativos nas mais diversas atividades que se vão dinamizando ao longo do ano. Este é de facto o bem maior, saber que eles são felizes na escola, tudo o resto é uma consequência disso mesmo.
Nenhuma escola está isenta de problemas relacionados com bullying, violência, cyberbullying… como lidam internamente com estas questões?
Também ganhámos o Selo relacionado com a ausência de violência e de bullying! A nossa forma de lidar com estas questões é intervir no imediato e intervir junto de todos os que rodeiam as pessoas diretamente envolvidas, porque todos têm responsabilidade de fazer algo, quando se deparam com uma situação desta natureza. Quando surge essa situação, vamos à turma, fazemos atividades com todos, alertamos para a importância da denúncia destes casos, como ajudar e qual o impacto para as vítimas. Os dias nacional e mundialmente dedicados a este tema são assinalados aqui na escola com exposições, roll-plays e outras atividades, partindo de situações identificadas aqui na escola para que haja esta consciencialização. À parte disto, temos uma caixa aqui na escola através da qual, sempre que há alguma situação, os alunos podem denunciá-la de forma anónima e nós procuramos identificar a faixa etária ou ano escolar para atuar em conformidade junto da turma.
Foi a primeira vez que este selo foi atribuído? Se não, quais as práticas implementadas que valeram a renovação da atribuição do selo?
Não, este já é o segundo ano. Nesta segunda atribuição, houve práticas que se mantiveram, mas sentimos a necessidade de, no diz respeito à prevenção, reforçar nas horas de ADT, atividades de crescimento socioemocional e de prevenção, face a comportamentos como os que já falámos anteriormente. Essa foi a inovação face ao que fazíamos anteriormente.
Qual foi a herança, em termos de saúde mental, do período pandémico?
O que foi mais sentido foi o surgimento em maior número de situações de ansiedade. Os alunos inicialmente estavam ávidos de conviver e de estar uns com os outros e tinham dificuldades em gerir esta relação, posteriormente, os medos que sentiam – relacionados com o possível contágio – começaram a traduzir-se em ansiedade. A nossa Escola está inserida numa zona com características rurais, em que muitas crianças pouco saem deste meio e vivem com dificuldades, com a pandemia tudo se intensificou. Ao longo de cerca de ano e meio fomos trabalhando com eles as emoções que estavam a sentir e ajudamo-los a identificar frustrações e medos e a dissociá-los de sintomas de ansiedade ou pânico. Atualmente está controlado, mas não ultrapassado, especialmente nas crianças mais novas, notamos que estão muito apegados aos ecrãs e têm dificuldades em gerir conflitos e emoções.
Há práticas/programas/acompanhamento direcionado para professores e funcionários?
Fazemos ações de formação anuais sobre variados temas, nomeadamente, gestão de conflitos, bullying, o papel do professor em situações de violência… temos palestras dadas pela GNR junto de alunos e professores que incluem esclarecimento de dúvidas no final. É dinamizada também uma ação de formação que é de extrema importância, que é sobre a violência no namoro. Contamos com uma equipa de bem-estar dedicada a realizar ações junto de docentes, pessoal não-docente e dos alunos.
Quais os projetos que a escola promove junto dos alunos com o propósito de abordar questões socioemocionais e de cidadania e de envolver a comunidade escolar?
Temos três grandes projetos atualmente: O da formação não-formal ao nível socioemocional – que mencionei anteriormente -; um segundo relacionado com o ADN Socioemocional em parceria com a Câmara Municipal de Sintra que inclui mentorias; O Happys que também já mencionei e outros relacionados com a saúde. No fundo, os projetos que nos valeram a distinção são os mais transversais e esses mantemo-los devido aos seus resultados e importância para a comunidade.
Quais os objetivos que gostaria de ver alcançados através destas práticas e projetos implementados?
Lidar com questões de modéstia e autorreconhecimento é difícil, mas o maior reconhecimento que posso ter do meu trabalho é sentir que esta escola é um local onde as pessoas estão felizes, independentemente das adversidades. Para além disso é saber que os alunos da escola – e todos passam inevitavelmente por mim pelo menos no 9º ano, através da orientação vocacional -, terminarem o 12.º ano e enviarem-me uma mensagem a dizer que entraram na faculdade, ou que a terminaram, e regressam à escola para visitar. A sensação de perceber que de alguma forma eu ajudei-os no seu percurso é extremamente gratificante. Por outro lado, a política arriscada que adotei da porta aberta – inclusive tive de pedir autorização para o fazer – traz frutos, tenho alunos de várias idades a virem ter comigo para conversarem, pais de alunos mais novos a ligarem, professores que pedem para falar comigo de problemas que estão a viver, o mesmo com as assistentes operacionais… e isto para mim é a gratificação, não são os selos, pois esses são efetivamente uma consequência do trabalho que se faz diariamente.
Há muitos outros selos que podem ser atribuídos às escolas. Estão a pensar concorrer a novos selos?
Temos o selo da Escola Saudável que foi atribuído à Escola, fruto do trabalho da Professora Maria José Ramalho do gabinete de Saúde; Selos da Eco-Escolas – somos muito ativos nesta temática -, estes serão os principais.