Do videojogo para a vida real: A indústria em Portugal
A indústria dos Videojogos é, nos dias de hoje, um setor que move milhões… milhões de jogos disponíveis, milhões de jogadores, milhões de dispositivos, milhões de euros e milhões de pessoas apaixonadas pela indústria e que se dedicam a ela profissionalmente.
A Associação de Empresas Produtoras e Distribuidoras de Videojogos (AEPDV) é uma associação portuguesa que se dedica em exclusivo a representar empresas que produzem e distribuem videojogos para consolas, computadores, mobile e Internet. Para nos detalhar a realidade do setor atualmente e qual o seu futuro, estivemos à conversa com Tiago de Sousa representante da AEPDV, com Diogo Rato, Diretor dos Produtores Nacionais de Videojogos (APVP) e com Fábio Sousa e Eduardo Barrancos do projeto GameDev do Instituto Superior Técnico.
A partir de que necessidade ou problemática surgiu a AEPDV?
A Associação foi criada há, aproximadamente, 10 anos e surgiu de forma orgânica. Nessa altura já existiam associações setoriais ligadas às Indústrias Culturais (…) mas, uma vez que o peso do mercado dos videojogos é muito relevante dentro da Indústria Cultural, considerou-se necessário e natural, criar-se uma Associação que pudesse zelar pelo interesse dos players em Portugal.
Apesar de “não termos uma missão específica, mas sim uma série de questões que vão surgindo”, houve já conquistas importantes que ao longo destes 10 anos foram alcançadas, tais como, “o PEGI – o sistema de classificação etária dos videojogos a nível europeu. Em Portugal, existia uma dupla classificação etária, o que poderia induzir a alguma confusão, mas depois de muito trabalho e alguma pressão política, há três anos, conseguiu-se que a classificação PEGI passasse a ser a classificação utilizada pelo organismo público em questão e que se criasse uma harmonia com outras dezenas de países que se regulam por esta classificação.”
A AEPDV atua ao nível político “devido à realidade da legislação europeia – que é rica na criação de inúmeros diplomas – surge a necessidade imperativa de adequá-los à realidade portuguesa.” e atua ao nível social, através da “sensibilização e do alerta aos consumidores – aqui incluem-se os pais e educadores – sobre determinados programas em vigor que promovem que se jogue videojogos de forma responsável e com autorregulação, através de ferramentas que permitem aos pais, ter um maior controlo sobre as atividades de jogo, para além da limitação etária de cada jogo, em qualquer consola pode ser delimitado o tempo da sua utilização e as compras podem ser limitadas a um valor pré-definido pelos pais/tutores. Estes mecanismos, não são os únicos em vigor, mas permitem que exista uma autorregulação, com medidas criadas pelo próprio setor, para que o jogador tenha a melhor experiência possível, sem haver fatores que o possa perturbar.”
Para além dos mais novos, hoje em dia, os videojogos fazem sucesso em todas as faixas etárias, a ideia tradicional de que os videojogos são “coisa de criança ou de adolescentes cheios de testosterona” foi totalmente ultrapassada, como reflexo disso, para além de uma maior amplitude em termos de idades, o número de mulheres jogadoras é agora equiparado ao dos homens, aproximadamente metade dos jogadores são mulheres (46,7%).
Todas as medidas que tem vindo a ser implementadas para melhorar a experiência dos utilizadores, parecem estar a atrair cada mais pessoas para esta indústria, até porque, “Atualmente, os videojogos, como ferramenta audiovisual, são um produto maduro, de uma aceitação normal como qualquer outro produto. (…) Os jogos são hoje em dia, inclusivos em todas as vertentes, podemos afirmar que são friendly family.”
Mas, será que as escolas e a educação aceitam e incluem os jogos no processo de ensino e aprendizagem? Tiago afirma que atualmente, existem cada vez mais professores a utilizarem o videojogo na sala de aula, pois estes têm o potencial de captar a atenção dos alunos devido à sua natureza digital e pela sua interatividade que permite que quem está a aprender, possa ter uma interação mais interessante e envolvente.
E quanto às competências e transmissão de conhecimentos existem vantagens comprovadas?
Tiago explica que “de uma forma orgânica, através do jogo podem ser tratados temas sensíveis e de difícil abordagem, mas devido à narrativa é possível fazer esta abordagem e transmitir valores como a tolerância, a inclusão e o respeito pelo outro. No fundo, os videojogos trazem à educação, ferramentas que permitem estimular a aprendizagem de uma forma dinâmica e original que vão ao encontro das necessidades digitais da população. Não é possível contornar o facto de estas novas gerações serem nativas de uma era digital, por isso, os videojogos permitem a aquisição de competências e conhecimentos de uma forma orgânica, contornando o método de ensino tradicional e estanque. (…) O Manual que criámos apresenta diretrizes, lições estruturadas e planeadas para que seja ainda mais fácil para os educadores e professores aplicarem apenas o que está no Manual.”
Fábio Sousa e Eduardo Barrancos, através do projeto GameDev do Instituto Superior Técnico, criam a ligação entre a academia e a indústria e demonstram a sua utilidade na transmissão de conhecimentos para o dia a dia, “existirem cada vez mais entidades portuguesas interessadas em trazer jogos para o universo da educação, atualmente, o GameDev já desenvolveu três projetos educativos. Há dois anos, trabalhámos com o CCB para uma exposição sobre a Alice no País das Maravilhas, a semana passada lançamos também um outro projeto, que ensina crianças do 2.º e 3.º ciclo a tratarem animais de uma quinta sustentável, mas de uma forma interativa e não através de perguntas e respostas, ou seja, as crianças não têm a perceção que estão de facto a aprender. Daqui a poucos meses, vamos lançar um jogo em parceria com a Liga Portuguesa Contra o Cancro que sensibiliza e ensina os alunos do Ensino Secundário sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST).”
Apesar de todo o crescimento registado nos últimos anos, Portugal ainda não consegue ser um mercado competitivo a nível europeu, devido a lacunas ao nível fiscal e financeiro que permitam que o setor se desenvolva de forma competitiva com o que se pratica nos restantes países da União Europeia. O que é que falta? Diogo Rato da Associação de Produtores de Videojogos Portugueses explica, “inúmeros países dispõem de vários tipos de incentivos, desde benefícios fiscais para o emprego, aos rendimentos coletivos das empresas… e em Portugal não existe nada que se aplique à indústria e à produção dos videojogos. Este é um caminho longo, mas que tem de ser feito agora, não há forma de nos tornarmos competitivos no futuro, se agora, com esta avalanche de consumidores, não tivermos posicionados da forma certa na indústria e no tecido empresarial a nível europeu.”
Em termos de previsão de crescimento do setor, tendo em conta que tem vindo a crescer anualmente, o que indicam as projeções?
Diogo esclarece que “a nível de produção é difícil, os dados que temos do INE são limitados e não nos permitem caracterizar o setor com exatidão, pois é difícil discernir o que provém da produção, da distribuição, dos royalties… há dados que aquando da recolha estatística aproximam o gaming ao gambeling, portanto isto dá-nos uma ideia pouco concreta do setor. O que vemos em termos europeus é que existe um crescimento anual de cerca de 4,6% e tudo indica que esta taxa irá aumentar.” Outra lacuna identificada acontece durante o processo de formação dos jovens, “se a indústria fosse ouvida durante o processo de formação dos jovens, se houvesse uma ligação mais estreita, conseguir-se-ia suprimir algumas das necessidades atuais e, consequentemente, conseguiríamos reter mais talento no nosso país. Esta situação é algo que a APVP está a explorar de modo a conseguir colmatar estas lacunas.” Já Tiago adianta que “a Indústria, em Portugal, deverá ultrapassar os 200 milhões de euros, entre consolas, pc, mobile, produção local e todas as restantes especificidades provenientes deste meio (…) A tendência é de crescimento.”