Ter a oportunidade de marcar presença no Open Day da Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo, inserida no espaço e no projeto do Chapitô, é por si só uma experiência marcante. Os espaços e o ambiente que se vive são únicos, e conhecemos pessoas que viraram o seu percurso académico de pernas para o ar. E elas estão felizes por isso.
A Mais Educativa acompanhou os alunos da Escola Profissional de Moura numa visita a um mundo onde toda a gente se prepara para um dia poder ser um verdadeiro artista.
Localizada em pleno Chapitô, perto do Castelo de São Jorge, a Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo (EPAOE) consegue cativar-nos logo à chegada, com uma vista fantástica sobre o rio Tejo. É o mote ideal para mergulharmos neste “mundo à parte” onde a escola se funde com uma companhia de teatro, uma loja e um restaurante, e onde toda a gente se conhece e se comporta como se de uma família se tratasse.
Antes da visita guiada começar, o produtor Eduardo Henrique explica-nos que o projeto escolar não se esgota neste espaço, e que há uma equipa especializada em levar as artes circenses à rua, a prisões e a Centros Educativos localizados em bairros mais complicados, com o objetivo de dotar os jovens que cumprem medidas tutelares de um civismo artístico, ao mesmo tempo que cumprem o seu papel de cidadãos ativos e intervenientes.
Demos uma volta pelo espaço e chegámos à tenda principal, onde decorria uma aula de Técnicas Circenses. Estas aulas começam sempre com o aquecimento dos músculos do corpo e com corrida, e em seguida os alunos passam para os aparelhos, onde desenvolvem os seus exercícios.
Um dos alunos que aqui encontrámos foi Madalena Dias, aluna do 3º ano do curso de Artes. “Vim para esta escola porque já fazia ginástica”, contou-nos, ao mesmo tempo que tentava equilibrar-se. “O Chapitô fazia apresentações no meu clube e eu gostava imenso sempre que eles lá iam, e por isso decidi vir para cá!”
Quais são os objetivos dos jovens que aqui estão, às 10 horas da manhã, a desenvolver atividades físicas tão exigentes? “Os meus passam por aperfeiçoar a minha técnica, sobretudo em acrobacia, e talvez experimentar treinar numa escola no estrangeiro.” De imediato, ocorreu-nos perguntar pelo futuro. E na vida profissional, qual é a ambição? “Gostava muito de me tornar numa artista de topo, e de fazer parte dos grandes espetáculos. A minha grande referência é, claro, o Cirque du Soleil”, respondeu a Madalena, num discurso fluido e segura de si.
Pareceu-nos desde logo evidente que esta não era definitivamente uma escola como as outras, e que quem aqui chega não pode querer passar despercebido. Tem mesmo de querer estar aqui. A Madalena confirmou que “é precisa muita vontade, porque é difícil aguentar o ritmo quer ao nível físico – com todas as aulas que temos que puxam imenso pelo corpo -, quer ao nível psicológico, porque a carga horária é elevada e não nos sobra muito tempo para nós fora daqui”.
E enquanto a Madalena e os restantes colegas continuaram a exercitar-se nos seus aparelhos, nós juntámo-nos aos alunos da Escola Profissional de Moura, entretanto a postos para começarem a sua visita.
As formações na EPAOE
À chegada, os alunos de Moura foram recebidos por Maria Adelina Amorim, coordenadora pedagógica da EPAOE, que enquadrou esta escola como um dos projetos inseridos no Chapitô. São dois os cursos profissionais que oferece – Interpretação e Animação Circenses, “mais virado para as artes ligadas ao circo”; e Cenografia, Figurinos e Adereços, “orientado para os bastidores do espetáculo”, explicou. A diferença entre elas? Enquanto que a primeira forma os profissionais que surgem diante do público ou das câmaras – atores, artistas circenses, animadores, dançarinos, entre outros -, a segunda ensina as técnicas em áreas cujo papel não é tão visível, mas é igualmente imprescindível: São estes profissionais que fazem os figurinos, os adereços, a cenografia, o palco, o vestuário, etc.
Cada uma das formações tem a duração de três anos, titula o formando com o Certificado Profissional de nível 4, e equivale ao 12º ano do Ensino Secundário convencional. Ambas se complementam entre si, e os alunos de uma e de outra atravessam em conjunto um processo de crescimento e de aquisição de conhecimento.
Educação artística… e cívica
Para além da componente vincadamente artística que caracteriza as formações da EPAOE, é também uma preocupação desta escola educar os seus alunos na vertente social e cívica. Maria Adelina Amorim explicou que “muitos dos jovens que chegam ao Chapitô trazem consigo problemas pessoais e familiares, e alguns deles provêm inclusivamente de famílias desestruturadas, pelo que é necessário trabalhar as suas competências sociais, fazendo uso da arte como ferramenta de integração”.
Contudo, prosseguiu, “qualquer artista é, tendencialmente, uma pessoa peculiar, que não recebe informação só porque sim, que interpela muito e que questiona tudo à sua volta, inclusive os próprios professores, as aulas e os métodos de ensino. Não é, por isso, um aluno fácil, mas também é isso que o faz crescer”.
Convívio com o mundo artístico, desde o início
E porque esta é, mais do que uma escola, uma grande família de artistas, os alunos têm contacto com o mundo artístico desde o primeiro ano de formação. A coordenadora pedagógica da EPAOE explicou este contacto “começa logo no corpo docente, que para além de dar aulas trabalha em companhias de teatro ou em ginásios especializados, e que representa por isso um contacto próximo dos alunos com o mundo profissional. Por outro lado, os estudantes beneficiam com o facto de os seus professores saberem, como ninguém, lidar com artistas e artistas em formação.”
Embora vocacionado para as artes do espetáculo, o ensino ministrado nesta escola também prepara os alunos nas disciplinas transversais a qualquer área de formação, como o Português, o Inglês, a Matemática e a História, entre outras.
A entrada no Ensino Superior
Enquanto formação que confere equivalência ao 12º ano de escolaridade, uma das possibilidades que oferece é o ingresso posterior no Ensino Superior. Mas será que isso é realmente possível com uma preparação tão distinta daquela que é dada pelo Ensino Secundário convencional? Maria Adelina Amorim admite que a principal preocupação de muitos dos pais dos alunos da EPAOE é o posterior acesso dos mesmos ao Ensino Superior, e reforça que “existem verdadeiramente condições” para que isso aconteça, embora não esconda que “é preciso algum cuidado”, porque “para aprenderem todas as valências ligadas às artes, não lhes sobra muito tempo para as restantes”.
Segundo esta responsável, para entrarem no Ensino Superior os alunos da EPAOE “têm de estudar muito” e de “estar disponíveis para as matérias mais teóricas, mesmo depois de toda a componente prática e que é muito exigente para o corpo”.
Contudo, no 3º ano dos seus cursos a EPAOE providencia “um reforço programático” a todos os estudantes que mostrem interesse em ingressar no Ensino Superior.
As saídas profissionais e o estágio internacional
“Cerca de 90 por cento dos alunos que saem da EPAOE encontram ou já encontraram trabalho e, mais que isso, o seu modo de vida”, disse Maria Adelina Amorim aos alunos de Moura que a ouviam atentamente. E apressou-se a comprovar o que tinha acabado de dizer: “Estão a ver os atores de novela que todos vocês conhecem? Muitos deles passaram pelo Chapitô e foram artistas desta casa!”
Ao saíres da EPAOE com o curso de Interpretação e Animação Circenses poderás enveredar “pelo Teatro, pela Dramaturgia pura ou pela Dança, por exemplo”, ou até por uma área que tem acompanhado o crescimento do turismo, que é a animação hoteleira. Poderás ainda ficar pelo Chapitô e trabalhar na Companhia, ou noutra escola de artes do país.
Já no caso da formação em Cenografia, Figurinos e Adereços, vais encontrar uma área que voltou a crescer. Teatros, companhias e produtoras estão sistematicamente a recrutar pessoas com esta formação, e poderás também criar o teu próprio ateliê ou laboratório ou até fazer animação de rua.
Esta profissional referiu ainda que “muitos alunos vão daqui já com uma definição muito boa do que querem fazer, e outros seguem para o Ensino Superior em áreas como as Artes ou as Letras”. Antes disso, todos eles têm “a oportunidade de fazer, no primeiro trimestre do terceiro ano, um estágio numa das várias escolas de circo ou companhias de dança internacionais com quem temos protocolo – e é este contacto com outras culturas e artistas, e com o mundo semi-profissional, que reforça a sua aptidão para começarem a trabalhar”.
Depois de conhecerem os vários espaços da EPAOE e de receberem toda esta informação, os alunos de Moura despediram-se para regressarem ao Baixo Alentejo. E antes que o fizessem, perguntámos a um deles – a Ana Garrido – o que é que os tinha trazido a Lisboa e à EPAOE. “Ganhámos esta visita de estudo à EPAOE num concurso de árvores de Natal organizado pela nossa escola, e viemos aqui hoje porque achamos que é uma escola que tem tudo a ver com o nosso curso. E o que vimos aqui hoje despertou imenso a nossa atenção!”
Por fim, a estudante alentejana confirmou que se via a estudar aqui: “Sem dúvida, porque gosto muito de circo e de me virar de pernas para o ar! E gostava muito de, no futuro, poder trabalhar numa escola como esta!”
Feitas as despedidas regressámos ao Chapitô, onde acabámos a conversar com os dois alunos que tinham ajudado a conduzir as visitas às várias turmas que aqui estiveram na manhã do dia 31 de janeiro. A Cristiana Almeida e o Diogo Alves são colegas no 3º ano do curso de Artes e, mesmo com backgrounds completamente diferentes, ambos reiteraram a mesma ideia: esta é mesmo uma escola distinta. Para o Diogo, este “é o sítio ideal para quem quer fazer algo de diferente – não apenas escolher o Teatro ou a Dança, mas juntar tudo! Aqui podemos aprender muitas técnicas e podemos fazer parte de um espetáculo de muitas formas, como aquelas que já disse mas também fazendo malabarismo, trapézio, acrobacia, entre outros. E acho que essa é a base que esta escola nos dá.”
E para o futuro, o Diogo já tem os planos bem definidos: “Quando sair daqui vou querer ir dar uma volta pela América do Sul, porque sou malabarista e é lá que estão os melhores. Quero aprender com eles! Ao regressar, gostava de criar uma companhia e de fazer animações pelo país inteiro.”
A Cristiana, por seu turno, disse que a EPAOE a transformou. “Eu acho que o Chapitô muda verdadeiramente as pessoas. Quando cá cheguei era uma pessoa algo revoltada e agressiva, e agora já consigo levar melhor as coisas… Fez-me bem!”
E foi com esta ideia bem presente que nos despedimos do Chapitô e desta escola que vira a vida dos seus alunos de pernas para o ar. E eles, a julgar pelo que vimos, não podiam estar mais gratos.
[Reportagem e Fotos: Tiago Belim]