Entrevista | Paulo Jorge Ferreira, Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas
Eleito em 2023 como Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), Paulo Jorge Ferreira, Professor Catedrático, Doutorado em Engenharia Eletrotécnica e Reitor da Universidade de Aveiro, assumiu este mandato, sob o lema “Valorizar o Ensino Superior”.
Nesta entrevista define os atuais desafios do CRUP, descreve o caminho do país em busca pelo conhecimento e assume quais os seus objetivos para este mandato e para o Ensino Superior em Portugal.
Quais os desafios do CRUP face ao estado atual do Ensino Superior?
Vivemos na economia do conhecimento. As Universidades são instituições que criam, transmitem e promovem a aplicação do conhecimento. Logo, assumem no contexto da economia do conhecimento, um papel reconhecidamente central. Apesar disso, têm um peso desproporcionadamente reduzido na opinião pública, na sociedade civil e no sistema político. Todos pensam que estamos bem e não estamos.
Segundo estudos da OCDE, a dotação do estado para o Ensino Superior português está abaixo da média da OCDE 6000 dólares em paridade de poder de compra para o PIB. Trata-se de uma lacuna enorme, que não cobre os gastos operacionais ou sequer as despesas com pessoal, e muito menos deixa espaço para investimento. Enquanto a sociedade civil e o poder político não reconhecerem a importância do Ensino Superior para o futuro do país, e não apostarem nele de forma consistente, enfrentaremos uma barreira permanente ao desenvolvimento.
É importante perceber também que as Universidades e a Ciência estão profundamente interligadas. O que disse acerca do papel e do peso do Ensino Superior, podia ter dito acerca do papel e do peso do sistema científico nacional. Também a Ciência não é reconhecida na justa medida da sua importância para o desenvolvimento económico e muito menos financiada como tal. Não sermos um país muito rico não é desculpa – pelo contrário. O desinvestimento só reduz as hipóteses de progresso, produtividade, competitividade e criação de riqueza.
O número de candidatos ao Ensino Superior tem vindo a crescer anualmente. Como vê este crescente investimento dos jovens no Ensino Superior?
O número de colocados na primeira fase do Concurso Nacional de Acesso atingiu um máximo em 2020. Os registos dos anos seguintes estão abaixo desse máximo, embora acima do registo de 2019. A percentagem de jovens que procura o Ensino Superior tem vindo a crescer, o que leva ao aumento do número de candidatos às Universidades, apesar da redução global do número de jovens. Mas essa percentagem não pode crescer indefinidamente, o que poderá limitar o número de candidatos, devido à evolução da natalidade. É neste contexto que a importância da procura internacional, a atração e fixação de talento, assume toda a sua importância.
Por outro lado, a procura por formação inicial superior é um sintoma de lucidez social, mas não é a única dimensão da ação formativa das Universidades. Há o nível mais elevado, o do Doutoramento, que é importante para a investigação científica e para a criação de conhecimento. E há outros níveis, entre os quais o nível intermédio, de Mestrado, e toda a frente de requalificação e formação ao longo da vida, em franco desenvolvimento. É preciso dar atenção a todos estes níveis formativos.
Foram tomadas medidas de apoio à fixação dos jovens em Portugal, após a conclusão do Ensino Superior. Considera-as suficientes para combater os números atuais de emigração jovem qualificada?
A probabilidade de um jovem diplomado ou doutorado encontrar um emprego adequado em Portugal depende da existência de oportunidades para o exercício pleno das suas capacidades.
Existem empresas baseadas em conhecimento em número suficiente? Existem oportunidades para que os jovens possam arriscar novas ideias e empreendimentos de base tecnológica, sob responsabilidade própria? Os jovens são preparados nas Universidades para dar esses passos? Há capital de risco suficiente para não deixar fugir talentos? Criar um contexto social e económico adequado para acolher jovens talentosos e criativos não é fácil, nem cabe apenas às Universidades, embora estas possam tomar medidas para o facilitar.
A saúde mental está na ordem do dia e entre os jovens tem-se registado números elevados de ansiedade e depressão. O que pode ser feito para combater estes números?
Realizei uma reunião com os representantes dos estudantes do Ensino Superior, na qual ficou claro que a saúde mental é uma preocupação transversal. As instituições estão conscientes disso e a dar atenção ao problema, por exemplo, aumentando a sua capacidade de apoio psicológico.
Com os níveis de financiamento presentes, é difícil dar uma resposta cabal, mas temos melhorado, ainda assim, a resposta. A pandemia e o isolamento que se impôs agravaram a situação, mas espero que no futuro haja uma melhoria gradual das condições e do apoio.
Falando no desequilíbrio ainda registado, em termos de desenvolvimento equilibrado e coeso do território nacional, as medidas existentes de promoção e proteção das Instituições de Ensino Superior (IES) no Interior são o bastante para promover um crescimento sustentado e coeso do nosso país?
Se não houvesse uma rede de Ensino Superior, a situação seria bem pior.
Uma Instituição de Ensino Superior é um elemento essencial para o desenvolvimento de uma região, para a fixação de talento, para a atração de novos residentes, para a criação de emprego e economia. Entre uma região com Ensino Superior e uma região sem Ensino Superior haveria sempre uma diferença enorme de oportunidades, de desenvolvimento económico, social e cultural.
Para si, enquanto Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, o que gostaria de ver implementado e alterado nas IES?
A convergência progressiva do nível de financiamento para as médias da União Europeia ou da OCDE seria de enorme importância e teria um grande impacto no futuro do país. O respeito cabal pela autonomia universitária, consagrada na constituição e no regime jurídico das IES, permitiria remover limitações à ação das Universidades. Conseguir a estabilidade e previsibilidade do financiamento do Ensino Superior e da Ciência é imprescindível para que cada instituição possa fixar uma estratégia e dar-lhe seguimento. Financiar, autonomizar, estabelecer metas e responsabilizar parecem-me pontos importantes para o futuro.
Por último, quais os seus objetivos para este mandato?
A rede de Instituições de Ensino Superior e, em particular, as Universidades que integram o CRUP, contribuiu para a modernização do país. Em meio século, evoluímos de uma economia baseada na Agricultura de Subsistência, onde o Acesso ao Ensino Superior estava reservado a muito poucos, para uma economia baseada no conhecimento.
O sistema científico nacional foi fulcral na criação de capacidade de investigação, internacionalmente competitiva, o que é uma alavanca de desenvolvimento económico e social. Vivemos um momento de grande incerteza política, a todos os níveis. Mas, independentemente do que o futuro nos reservar, espero testemunhar um maior investimento no Ensino Superior e na Ciência, porque isso significa continuar a investir no futuro do país.