Entrevista | Pedro Santa Clara: “Na era do ChatGPT, a memorização e a réplica não funcionam”
Licenciado em Economia, com um PhD em Finanças, e antigo Professor na americana UCLA, Pedro Santa Clara liderou a construção do novo campus da NOVA SBE, em Carcavelos, onde leciona, atualmente, enquanto cria e dirige (imersivamente) projetos de aprendizagem, nomeadamente a Escola 42, em Lisboa e no Porto, a edtech Miles in the Sky, e o pioneiro TUMO Coimbra.
Afirmando, em entrevista, que o sistema educacional alicerça-se a estímulos contraproducentes, é de vocação social a visão que possui do ensino, onde se prioriza a “autonomia, a colaboração e a resolução de problemas.”
O percurso de carreira que tem vindo a edificar é reflexo de que personalidade?
A vida é uma coleção de acasos [risos]. “Serendipity” é um sentimento que aprecio particularmente… As oportunidades surgem, sendo reconhecidas e aproveitadas por uma mente preparada.
Fui razoavelmente bom aluno. Doutorei-me no INSEAD e dei aulas no ISLA durante 12 anos. Quando regressei a Portugal, envolvi-me em inúmeras iniciativas e na campanha de fundraising privada, levando-me a formar uma equipa e a continuar. Acredito que nada foi por acaso, mas o acaso e algumas decisões bem tomadas foram determinantes.
O universo educacional português encontra-se em constante mudança, impulsionada pela junção entre um descontentamento crescente com a Escola tradicional e a revolução tecnológica em curso. Que desajustes ou falhas atenta no modelo vigente?
O sistema conquistou incontáveis vitórias ao longo dos séculos, não querendo, por isso, diminui-lo. No entanto, registamos, presentemente, resultados fracos — sintomas de uma doença profunda. A Educação é cara, comparativamente ao nível de recursos do país, e excessivamente elitista. Os 25% da população empobrecida, aos 15 anos, apontam para dois anos letivos de atraso, relativamente aos 25% da coletividade abastada — resultado de uma política de facilitismo, de uma desorganização brutal, e de uma pauta de tranquilidade laboral nas Instituições.
Já de um ponto de vista económico, assistimos, ainda, à geração mais qualificada de sempre, completamente, inadaptada às necessidades do mercado de trabalho.
Infelizmente, a reação pública não é suficientemente forte, face ao estado de descalabro a que chegámos. Estamos a comprometer o futuro e nada o justifica.
A procura afincada de requalificações é evidente. O sistema de ensino está preparado para enfrentar o “Momento Netflix” — como o define — ou a tendência será para continuar a formar profissionais com ferramentas do passado?
Declaro que conservamos uma indústria educativa soviética da década de 50, onde uma colossal organização — o Ministério da Educação e o Ministério do Ensino Superior — comanda Escolas e controla centenas de milhares de docentes, com uma rigidez assustadora, através de um regime corporativista, em que o Diretor não tem qualquer autonomia orçamental.
É urgente posicionarmo-nos, com ousadia, descentralização e decisão local, sem remendos ou alterações curriculares ínfimas.
“A diferença entre os discentes americanos e os portugueses, não é a competência ou o conhecimento, mas sim a autoconfiança”, afirmou no podcast “CEO é o Limite”, do jornal Expresso. Considera que os padrões convencionais são os grandes responsáveis?
O ensino tradicional — com imensas exceções — é uma máquina trituradora da autoconfiança, da criatividade, da inovação, e, claro, da realização, uma vez que assenta, praticamente, em incentivos negativos, como o medo de chumbar, que leva o estudante a querer colocar no exame exatamente o que foi debitado em aula, e, se possível, com as vírgulas nos sítios certos [risos].
Na era do ChatGPT, a memorização e a réplica não funcionam. Precisamos, sim, de dar ênfase às competências humanas, como a autonomia, a colaboração e a resolução de problemas.
“A IA pode (…) ser um explicador privado e personalizado, que permite exercícios de imaginação extraordinários, abrindo, assim, caminho para uma experiência muito mais rica, participada e atraente.”
Tendo como denominador comum “criar impacto social, através da Educação”, que pedagogia é implementada na 42 e no TUMO?
Seguindo os princípios fundamentais da pedagogia — aprender, fazendo, e uns com os outros —, e aproveitando a panóplia de tecnologias concedidas, produzimos um paradigma eficiente, que escala.
Apesar de não existirem aulas nem a figura usual do professor, dispomos de uma equipa que aperfeiçoa, continuamente, a plataforma digital que conduz a aprendizagem, funcionando como um jogo, apoiado na cooperação, onde são lançados desafios, cabendo aos formandos procurar a solução, através de recursos disponibilizados online.
O que é que falta? Motivação… A verdade é que os jovens são focados, interessados e detentores de uma enorme capacidade de concentração. Porém, hoje, persistem alternativas mais apelativas do que a generalidade daquelas que oferecemos… A culpa não é do telemóvel [risos].
Devido à componente colaborativa e à não exigência de qualquer background académico, o modelo acaba por beneficiar da própria diversidade?
Entre pares, o ato de aprender beneficia das vivências passadas de cada indivíduo, desenvolvendo networks e partilhando aspirações.
A 42 é extremamente exigente, com uma taxa de aceitação de 2% e um processo de seleção complexo, que inclui uma bateria de testes e um bootcamp de 26 dias, contrariando outra das contrariedades da Escola pública, onde o código postal é a via de triagem, levando a uma getização total.
Sem mobilidade social, não há esperança nem ambição… É quase medieval.
Apologista do “aprender, fazendo”, que desafios providencia a Inteligência Artificial quando aplicada à Educação?
Sendo ferramentas ultra-recentes, que, ainda, têm diversas limitações, alucinações e enviesamentos, exigem determinados conhecimentos sobre a sua correta utilização.
Contudo, a IA pode, facilmente, ser um explicador privado e personalizado, que permite exercícios de imaginação extraordinários, abrindo, assim, caminho para uma experiência muito mais rica, participada e atraente.
É perfeita? Não, mas está a modificar-se a uma velocidade inacreditável.
Para quando a próxima novidade?
Não para breve [risos]. Agora, o objetivo é apenas um: Consolidar os projetos em curso.
Há muito para fazer.