Filipa Dias, natural de Viseu, decidida a ajudar os outros, rumou à capital para estudar o que lhe fazia mais sentido. Atualmente, com 23 anos é terapeuta de psicomotricidade e mestre em reabilitação neuropsicológica e estimulação cognitiva e tem a sua missão muito bem definida, não fosse ela uma jovem cheia de garra e resiliência.
Recordo-me de estar decidida a seguir nutrição e dietética. Mais tarde, ninguém me desvinculava do ramo farmacêutico e, aos 16, era criminologia, sem dúvidas. Algo era certo: desde cedo, apercebi-me que queria ajudar de alguma forma quem me rodeia e tinha curiosidade em compreender o comportamento humano – em especial, o funcionamento do cérebro. Em 2015, depois de terminar o ensino secundário na Escola Secundária Alves Martins, ingressei na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa para cumprir a licenciatura em Reabilitação Psicomotora.
Ao longo do meu percurso académico fui tendo algumas experiências laborais de natureza diversa, inclusive, voluntariados. Não obstante, após o término da licenciatura, confrontei-me com a dura realidade de que nada ia ao encontro do que perspetivava: não existiam propostas de trabalho à “minha” espera. Ora porque não tinha experiência, ora porque “precisava” de um mestrado, ora porque não tinha artigos científicos escritos, ora porque, na verdade, fazia parte do grupo de recém-licenciados. Acabei por me resignar a fazer muitas outras coisas que não aquilo que estudei e tanto desejava.
Costumo dizer que o copo meio cheio da vida é retirarmos o melhor de todos os mundos por onde passamos, mesmo que muitas vezes não seja clarividente.
Acreditei e acredito que um dia, mais cedo ou mais tarde, tudo fará sentido.
Surgiram, depois de algum tempo, oportunidades dentro da área para a qual me formei e tentei aproveitá-las sempre, para que também pudesse perceber o que me fazia mais sentido. Desde a estimulação psicomotora em crianças, à psicomotricidade em pessoas mais velhas, a experiência foi ditando a minha ânsia por mais conhecimento, pela procura de respostas, pela necessidade de fazer diferente do que via ser praticado.
A realidade instaurada no nosso país no que respeita à valorização da saúde do nosso cérebro preocupou-me. Considerei muitas vezes que, talvez, a minha curta experiência de vida fosse a justificação para não me conformar com tão poucos recursos, com tamanha falta de consideração pelo direito à qualidade de vida e dessa forma decidi procurar respostas num dos hospitais de neurorreabilitação mais reconhecidos: Institut Guttmann. Candidatei-me ao mestrado de Reabilitação Neuropsicológica e Estimulação Cognitiva lecionado neste hospital, em parceria com a Universidade Autónoma de Barcelona.
Em setembro de 2019, abracei este desafio pessoal e profissional a que me propus e, hoje, mesmo depois de ter visto interrompida uma experiência perspetivada sem data de regresso, assumo a insatisfação, a inquietude e a resiliência como formas de estar fundamentais para o percurso de quem acredita.
O Institut Guttmann é um Hospital de neurorreabilitação sediado em Barcelona, onde se trabalha para que a esperança seja devolvida a quem sofre de lesões cerebrais, medulares e patologias neurodegenerativas e suas famílias. Vive-se uma realidade em que, independentemente da idade, a vida fica mesmo suspensa e comprometida.
E a questão que todos fazem: É possível voltar a ter uma vida normal?
Nunca se volta “ao normal” depois de uma lesão cerebral. Há sequelas que não se apagam e têm repercussões para o resto da vida. No entanto, é possível, em alguns casos, restaurar-se parte dessa normalidade. O nosso cérebro tem a fascinante capacidade de se “recriar” e “reconfigurar”. Os académicos chamam-lhe plasticidade cerebral e é o que nos permite criar redes neuronais, com capacidade para se reorganizarem e modificarem funções, adaptando-se às eventuais mudanças internas e externas.
Inconformada com a visão atualmente vigente, decidi fundar um projeto, acessível a todos e em qualquer lugar, o “Agita’mente. “Antes investir do que desistir”, pensei.
No fundo, consiste em terapia psicomotora e estimulação cognitiva ao domicílio, ou em contexto domiciliário.
Este projeto foi pensado ao longo da quarentena no pós-regresso a Portugal e exposto ao público através da plataforma social Instagram, em janeiro de 2021 (@agitamente)
Quis criar um espaço onde posso desmistificar a ideia de que “as lesões cerebrais só acontecem aos outros”, “os AVC’s só depois dos 70” e “doenças neurodegenerativas são raras”, onde posso partilhar a base ideológica do meu trabalho – utilização de materiais do dia-a-dia que exponenciem a relação sinérgica do nosso corpo com o meio envolvente.
Este conceito defende uma intervenção personalizada a cada contexto, onde a pessoa deve ser o mais autónoma e independente possível. Costumo dizer que é tão importante sabermos andar, como saber para onde vamos e é justamente por isto que as funções cognitivas não podem ser desconsideradas. A reserva cognitiva é um fator preponderante no momento de traçar um prognóstico de reabilitação e, portanto, que nunca nos esqueçamos de dar a devida relevância à saúde do nosso cérebro. Seja em que idade for.
Aos 23 anos, esta é a missão que estabeleci para a minha vida e que agora partilho!