O ano letivo anterior culminou com uma mudança total do ensino, com adaptação ao ensino à distância, às tecnologias. No fundo, uma nova realidade. Ninguém melhor do que o Doutor José Vitor Pedroso, Diretor-Geral da Educação, para abordar a questão do novo ensino, derivado de uma adaptação à Covid-19.
2020 foi um ano marcado pela pandemia. Muito mudou e nem sempre houve tempo e espaço para criar uma adaptação 100% bem sucedida. Quais as maiores barreiras, desafios e esforços feitos para tornar possível a adaptação à nova realidade?
Foram vários os desafios. Eu diria que, em primeiro lugar, foi necessário que todos os alunos e professores dispusessem de equipamento e de conectividade, ou seja, foram precisos recursos tecnológicos para dar continuidade ao ensino. Também, a questão da adaptação às novas metodologias, pois é muito diferente trabalhar presencialmente e trabalhar à distância. Houve a necessidade de adquirir um conjunto de competências que permitiram que o ensino à distância se realizasse.
O “Estudo Em Casa” foi uma das ferramentas mais mediatizadas. Inicialmente para colmatar a lacuna, e agora como apoio diário aos alunos. Recentemente foi premiada como uma das políticas públicas do ano. Que balanço faz desta ferramenta e que herança deixa para o futuro?
O “Estudo Em Casa” foi uma forma de colmatar a falta desse equipamento que referi anteriormente, para que nenhum aluno, mesmo que não tivesse conectividade, ficasse excluído de continuar a acompanhar as atividades letivas. Foi um recurso que, mesmo para os alunos que utilizavam o ensino à distância, recorriam como forma de consultar, reforçar e interiorizar melhor as aprendizagens. Foram milhares de visualizações em direto e também através da internet. Em relação a este ano letivo, o “Estudo Em Casa” foi alargado ao Ensino Secundário, para auxiliar e apoiar o ensino, seja em revisão de matéria, seja para os alunos que em determinados momentos, devido à pandemia, são obrigados a ficar em isolamento. Continua à disposição dos professores e dos alunos.
Foram várias as figuras importantes a participar em aulas do programa, nomeadamente o senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e João Mário, jogador de futebol do Sporting Clube de Portugal. É importante trazer várias figuras públicas para demonstrar que o ensino é uma prática do dia a dia?
Trazer figuras públicas, que no fundo são especialistas em mediatismo, e todo o tipo de especialistas à escola, não só ao Estudo Em Casa, para falar e trocar impressões com os alunos é muitíssimo importante. Defendemos muito uma escola aberta, que permite aos alunos sair para visitar outras realidades, fora do ambiente escolar tradicional, como acontece quando se traz especialistas às escolas.
Estamos a terminar o primeiro período. Que balanço faz e quais as perspetivas para 2021?
O balanço relativamente à transmissão da Covid-19 dentro das escolas, é muito positivo. As escolas mantiveram-se maioritariamente abertas, houve casos em que turmas que, tiveram de se isolar devido a casos detetados, mas, a nível geral, as medidas tomadas foram bastante efetivas, não havendo focos de propagação nas escolas. Do ponto de vista educativo, durante o ano letivo passado percebeu-se a importância da escola, não só como espaço de ensino e aprendizagem, mas como espaço social. Por um lado, porque é ali que os alunos convivem, estabelecem as suas relações, praticam desporto, movimentam-se e alimentam-se. E, por tudo isto, este regresso à escola foi muito positivo. Numa primeira fase, o que se pretendeu foi tentar restabelecer o equilíbrio socioemocional de todos os alunos e recuperar as aprendizagens que não foram possíveis de ser trabalhas no ano letivo passado. Apesar de todos os condicionalismos que as medidas que são tomadas obrigam, menor proximidade, dificuldade na prática de atividades físicas, o trabalho experimental, etc., o balanço foi muito positivo. Aguardamos com ansiedade que tudo volte à normalidade.
Qual tem sido o feedback dos professores e responsáveis das escolas?
Os professores tiveram uma reação muito positiva. Aliás, a população portuguesa teve um primeiro embate positivo, tentando coletivamente responder aos desafios. Claro que, para alguns professores a adaptação às tecnologias e à forma de trabalhar à distância foi mais difícil para uns do que para outros, mas aí tivemos bastante entreajuda entre os docentes, e capacidade das escolas se organizarem para realizarem formação, disponibilizarem novas ferramentas de comunicação, etc. Diria que todos os envolvidos se adaptaram bem a esta nova forma de trabalhar.
De acordo com um estudo realizado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, mais de metade dos alunos reprova no Ensino Secundário. Que comentário tece em relação a este resultado e, na sua ótica, que medidas podem ser implementadas para melhorar os mesmos?
Em primeiro lugar, os resultados não estão diretamente relacionados com a pandemia. Esses dados resultam da contabilização dos percursos diretos de sucesso, ou seja, quantos alunos começam o 10.º ano e acabam o 12.º em três anos, o que implica a transição em todos os anos. Os dados referidos na sua questão dizem respeito aos Cursos Cientifico-Humanísticos onde de facto existe essa taxa muito elevada. Nos Cursos Profissionais já temos resultados muito mais positivos. Há a necessidade de apostar num ensino mais personalizado, na diferenciação pedagógica, em metodologias mais ativas e que nos venham a permitir ter taxas de retenção inferiores, semelhantes aos restantes países europeus.
É possível um ensino personalizável a médio/longo prazo?
Sim, por um lado implica uma forma de trabalhar diferente por parte das escolas, dos seus docentes. Por outro lado, necessitamos de apostar em alunos mais autónomos. Esta competência tem que ser trabalhada na escola para que os alunos se prepararem para uma aprendizagem ao longo da vida. Acredito ainda que as tecnologias digitais venham a permitir uma maior diferenciação pedagógica, uma utilização de recursos educativos mais diversificada, e que os envolvidos neste processo, alunos e professores, rapidamente se adaptem a estas ferramentas, tanto para aprender como para ensinar.
Os objetivos da DGE não se esgotam neste âmbito, e outros desafios surgiram durante este ano, nomeadamente na área do Desporto Escolar e da segurança na internet, duas das áreas de atuação. De que forma foi vivida esta pandemia no âmbito do Desporto Escolar?
Fomos todos apanhados de surpresa, e a reação do Desporto Escolar foi semelhante às restantes áreas, parar para salvaguardar. Houve o cancelamento das competições, que são momentos em que se juntam milhares de jovens, que vivem uma experiência em conjunto, desde a viagem, à estadia, e tudo o que faz parte da vivência das competições do Desporto Escolar. As condições sanitárias não permitiam este tipo de eventos. Neste momento, no presente ano letivo, os alunos continuam nas suas equipas a realizar treinos e outras actividades físicas, mas a competição ainda não foi retomada, só quando houver condições sanitárias para tal.
A nível da segurança na internet, que papel teve a SeguraNet?
É um projeto que existe há mais de 10 anos, já tem raízes! Produziu muitos recursos educativos e tem realizado muita formação de professores. De uma forma geral, podemos afirmar que alunos e professores estão preparados para a maioria dos perigos e riscos da utilização da internet. Claro que há exceções, nomeadamente os professores não utilizadores assíduos dessas ferramentas, mas para tal há os devidos materiais de apoio, cursos, iniciativas, para colmatar e ajudar a progredir. A disciplina de TIC, por exemplo, permite aos professores trabalharem as questões da cibersegurança com os seus alunos. É um trabalho constante, os riscos vão-se modificando e há a necessidade de atualização constante. No período de ensino totalmente à distância, estiveram online cerca de um milhão e trezentos mil utilizadores, professores e alunos, e os problemas que surgiram contam-se pelos dedos de uma mão.
Face àquilo que é o presente, que perspetiva faz para o final deste presente ano letivo?
Para o restante ano letivo, há uma grande novidade: a distribuição de equipamentos informáticos a todos os alunos, do 1º ao 12º ano, e aos professores. Estou-me a referir a um computador portátil e um hotspot que permite a conectividade móvel. Equipamentos diferenciados, mas todos vão receber. Acreditamos que esta medida vai ser uma grande alteração do dia a dia das escolas, haverá um maior acesso a recursos educativos digitais e fontes de informação diversificadas. O Ensino deixa de estar concentrado no manual escolar, para que os envolvidos tenham acesso a um conjunto muito alargado e rido de recursos educativos. Há necessidade de capacitar os alunos para a validação dos recursos que utilizam, o aluno deverá saber se o que consulta é cientificamente credível. Este maior acesso à internet, à informação, implica ainda a necessidade de mais capacidade de identificar as ditas fake news. São áreas novas que requerem formação e especial atenção.
Uma mensagem para todos os envolvidos no Ensino em Portugal.
Em primeiro lugar, quero felicitar todos os envolvidos por este período que atravessamos. A postura de resiliência, de colaboração e investir neste novo normal foi muito importante. A minha mensagem é sobretudo para se dar continuidade a esse trabalho. Estamos todos com muita esperança na vacina e esperamos que já no próximo ano se possa progressivamente voltar ao normal que todos desejamos.