Neste ano particularmente desafiante, a Mais Educativa entrevistou a Diretora do Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais, Jesuína Pereira, para perceber de que forma estão a ser vividos e geridos estes novos desafios educativos, pedagógicos e sociais, resultado da pandemia Covid-19.
Cada escola, tal como cada pessoa, tem o seu ADN, neste sentido de que forma a Escola António Damásio se distingue das outras?
A Escola Secundária António Damásio é uma das cinco escolas do Agrupamento de escolas Santa Maria dos Olivais que teve a sua génese na fusão de duas escolas, a Escola Secundária Vitorino Nemésio e a Escola Secundária Professor Herculano de Carvalho. A nossa inscrição genética é a de uma escola pública, democrática, que se rege pelos valores da ética, da exigência e do rigor. A eleição do nosso patrono foi um ato democrático. Ficámos muito orgulhosos que tenha sido eleito o professor António Damásio e muito gratos por o professor ter aceitado ser o nosso patrono.
Eu sou professora de biologia e o ADN diz-me muito, apesar de, atualmente, com os avanços da genética, sabermos que o ADN não é tudo. A epigenética, que é uma área da ciência que estuda a interação entre o ambiente e os genes diz-nos que é esta interação que pode fazer a diferença, pelas inúmeras possibilidades de expressão dos genes. E nós também somos esta realidade. Além do nosso ADN, onde estão inscritos os valores que defendemos, temos uma boa “dimensão epigenética”, isto é, estamos atentos para que em cada circunstância possa ser dada a melhor resposta, especialmente no contexto atual, dado pela pandemia da doença COVID-19.
Este é o seu primeiro mandato nesta escola, numa frase como descreve esta escola e os seus alunos?
Penso que possa utilizar uma ideia de Jean-Paul Sartre, somos cidadãos comprometidos com o cuidado com os outros humanos e com o planeta; somos empáticos e solidários. Acreditamos que a educação nos torna melhores pessoas.
Quais são os valores que considera serem fundamentais para serem transmitidos aos alunos do Ensino Secundário?
Penso que já os mencionei, de alguma forma. Não queria estar a hierarquizar os valores que considero essenciais, mas vou lançar-me no desafio de eleger três: Um deles é a dignidade da pessoa humana, ancorada nos valores da nossa República e da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Neste sentido, vejo a ética como uma ferramenta de promoção do bem-estar social e individual, o caminho para uma comunidade global livre e solidária, que respeite todas as formas de vida do nosso planeta. Costumo dizer que a ética é o último reduto. É o que pode fazer a diferença na evolução da sociedade humana.
Paralelamente, defendemos e cultivamos a exigência e o rigor. A exigência faz-nos persistir, continuar a trilhar o caminho, mesmo que seja difícil. E o rigor leva-nos a um melhor conhecimento e a um melhor ensino. É o conhecimento que nos ajuda a fazer uma melhor gestão das nossas escolhas, das decisões que nos levam às ações que queremos que sejam as melhores, em cada situação. São estes valores que nos acompanham e que determinam o nosso funcionamento aqui na escola António Damásio e nas outras escolas do Agrupamento.
Relativamente aos projetos escolares, quais são as apostas da Escola António Damásio para este ano letivo e os seguintes? Quais os projetos já concretizados pela escola que gostaria de destacar?
Atualmente, com o ano lançado e a decorrer na “normalidade” possível, em tempo de medidas de contingência da COVID-19, estamos a construir o Projeto Educativo do Agrupamento, para o quadriénio 2020-2024, que se suporta em sete linhas de orientação da ação que delineei, no meu projeto de intervenção, quando me candidatei ao cargo de diretora.
Uma das linhas de orientação é a promoção das literacias: A literacia da leitura e da escrita, com a dinamização das bibliotecas escolares e com abordagens diversificadas dos programas curriculares, onde não falta a ida ao teatro. Estamos a dinamizar o catálogo online das nossas bibliotecas e foram lançadas este ano uma Oficina de Teatro e uma Rádio Escolar.
Outra literacia que nos move é a literacia motora. Há já alguns anos que temos na escola o Clube de Desporto Escolar, que é bastante promovido e acarinhado, pois os nossos alunos têm a possibilidade de frequentarem atividades extracurriculares com regularidade, como o basquete, o voleibol, a dança…
A literacia digital é um dos nossos mais recentes projetos. Temos uma equipa de recursos digitais que está a desenvolver propostas a apresentar à 2ª Edição do Fazer Acontecer, um projeto da Câmara Municipal de Lisboa. Temos um projeto que ganhou o concurso no ano passado, o Lab Digital, que integra as áreas da Física e da Química e o digital.
Outro enfoque são as Olimpíadas e temos alunos que têm ido às finais, fora do país. Vemos os projetos como uma mais-valia para o crescimento dos nossos alunos. Pretendemos investir em projetos que envolvam os vários ciclos de ensino, com vista a articular as aprendizagens essenciais transversais e as áreas de competências do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória.
Qual é o feedback dos alunos que participam nestas experiências e projetos internacionais?
Os projetos internacionais têm, também, a nossa atenção. Fizemos um, no ano passado, que envolveu uma parceria com a comunidade educativa de Madrid. Há já alguns anos tem existido um programa de final de ano, principalmente para os alunos de 11º ano cujo objetivo é promover a língua inglesa e a interação com outras culturas, neste caso anglo-saxónicas. O feedback tem sido tão positivo que o grupo de alunos interessados tem vindo a crescer todos os anos. Estas são experiências benéficas e positivas para o crescimento dos mais jovens, que ficam guardadas nas memórias mais acarinhadas dos nossos alunos, relativamente ao Ensino Secundário e àquilo que a nossa escola lhes proporciona.
Temos muitos outros projetos igualmente interessantes e estamos, neste momento, a adaptarmo-nos às novas circunstâncias para que todos estes projetos tenham continuidade.
Na oferta formativa da vossa escola constam cursos profissionais e científico-humanísticos. Quais são as vossas principais apostas formativas?
Há uma aposta educativa e formativa no ensino secundário regular, sendo que os cursos científico-humanísticos são os que existem nas outras escolas. Mas temos tentado apostar numa maior oferta das línguas estrangeiras, já tínhamos o inglês e o francês, e agora temos o alemão e o espanhol. A maior parte dos nossos alunos frequentam o ensino secundário regular e temos tido realmente bons resultados. Os alunos gostam de estar na nossa escola, temos bons professores, bons desempenhos e boas médias de entrada no Ensino Superior.
A diversificação da oferta formativa e educativa passa, também, pelo ensino secundário profissional. Temos cursos muito pretendidos, como é o caso dos cursos de informática, de turismo e de eletrónica e no âmbito destes últimos, temos parcerias com empresas da nossa comunidade. Tentamos articular o nosso ensino profissional com aquilo que o mercado de trabalho pretende e procura. Promovemos este ajustamento entre aquilo que é pedido e aquilo que oferecemos. E neste momento, estamos a avaliar novas possibilidades.
Na sua perspetiva, quais são os maiores desafios que uma escola, e a sua em particular, enfrentam atualmente ao nível da educação e socialização com as restrições provocadas pela Covid-19?
Um dos maiores desafios, também uma das linhas de orientação do nosso Projeto Educativo, é a promoção do bem-estar, no sentido de saúde. E o que é a saúde? Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é o pleno bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença, mas a OMS tem vindo a ampliar este conceito, tornando-o mais holístico. E é o conceito mais atual que eu gostaria de ver desenvolvido na Escola: capacitar os nossos alunos para a resolução de problemas. E isso passa pelo reconhecimento de que quando temos um problema ou uma dificuldade física, social ou mental é importante identificar os recursos que precisamos para ultrapassar essa dificuldade, procurar esses recursos, no meio que nos rodeia, e mobilizá-los para resolver, efetivamente, o problema. É um conceito dinâmico que nos coloca em relação com o meio e os outros.
O grande desafio atual é, sem dúvida, manter uma boa saúde mental e isso é promovido através de uma saudável interação com os outros, o que requer que sejamos pró-ativos, para uma qualidade de relação que não comprometa a saúde física, socioemocional e mental, e isso atualmente requer uma gestão das emoções complexa, que a escola deve fazer aprender.
As nossas escolas têm quase 2800 alunos e isto representa muitas famílias. Promover a saúde dos nossos alunos é também promover a saúde das famílias destes alunos e a saúde de todos nós.
De que forma, na sua perspetiva os pais estão a vivenciar e a sentir a pandemia e o facto de os seus filhos estarem na escola, num ambiente que eles próprios não conseguem controlar? E de que forma a comunicação entre Escola e Encarregados de Educação está a ser feita?
Os pais estavam confiantes no início de setembro, quando lhes foram comunicadas as orientações iniciais. O verão tinha corrido relativamente bem e os casos estavam mais ou menos controlados.
Entretanto, o número de casos na comunidade começou a aumentar e a perspetiva do risco de surtos começou a ser real. Quando rastreamos os contactos de proximidade entre os alunos, de forma a perceber os possíveis contactos de alto risco, chegamos à conclusão de que a maioria dos contactos são feitos fora da escola, por exemplo a tomar refeições e no convívio com colegas. Deste modo, conseguimos mapear os contactos entre eles e controlar as possíveis cadeias de transmissão do vírus.
Mas as nossas escolas são seguras! Tudo isto é feito entre medidas de diminuição do risco, na escola, desde regras de circulação estritas, que evitam ajuntamentos nos corredores, até aos procedimentos de higiene regular das superfícies, nas salas de aula e nos espaços comuns. É um esforço hercúleo aquele que tem sido feito, pelos professores e pelos funcionários. Os diretores de turma, que são os interlocutores por excelência entre os pais e a escola, não têm mãos a medir, tamanha é a quantidade de informação que é preciso gerir. Com tudo isto, vemos que, para além do trabalho de sensibilização que a escola faz para evitar o contágio do SARS-CoV-2, é essencial a colaboração dos pais no trabalho de sensibilização e de regulação dos comportamentos dos filhos, para conseguirmos, efetivamente, ter menos alunos em isolamento profilático.
Uma das dificuldades que sentimos, é a velocidade de ajustamento das medidas e a falta de informação sobre o porquê da alteração das mesmas. Por exemplo, a alteração da obrigatoriedade da realização ou da repetição dos testes em caso positivo de COVID-19 gerou alguma insegurança e estranheza por parte dos pais. À medida que os pais se foram adaptando foram ficando mais tranquilos, até porque nós comunicamos de forma constante com as famílias, precisamente para transmitir essa tranquilidade.
Claro que este é um caminho que temos estado a fazê-lo juntos e a aprender o máximo possível sobre este vírus, e sobre as formas de evitarmos o contágio, até para nos mantermos em regime de ensino presencial que é tão importante para a educação dos nossos jovens.
Como é que a escola se organizou e se posicionou face aos planos de contingência em virtude da prevenção da pandemia?
Muito bem. O nosso plano de contingência é comum a todas as escolas do Agrupamento, com os devidos ajustamentos, e começou a ser construído em maio, quando os alunos sujeitos a exame nacional regressaram às aulas presenciais. Com os referenciais que têm chegado às escolas, temos criado e adaptado as medidas a implementar em cada escola, desde o 1º ciclo ao ensino secundário. O plano de contingência do Agrupamento, que está publicado no site da nossa escola, é um documento em aberto que vai sendo atualizado conforme as necessidades.
É de destacar o trabalho excecional que os nossos professores, educadores e assistentes operacionais têm feito mediante as condições atuais. A Câmara Municipal de Lisboa tem conseguido ajudar-nos a colmatar o défice no rácio de assistentes operacionais, mas, mesmo assim, ainda não temos o número de funcionários que precisamos.
Os nossos colaboradores alinham-se com os valores da instituição e estão totalmente empenhados e envolvidos com este compromisso. Por isso, temos conseguido manter as medidas de funcionamento sanitário nas nossas escolas. Temos um grupo de professores constantemente atento e em comunicação com a DGS, porque este vírus não tira férias nem fins de semana. Portanto, este trabalho exaustivo ultrapassa qualquer número de horas que os professores tenham, no seu horário, adstrito a esta tarefa.
Para terminar, a senhora diretora chegou recentemente a esta escola, sendo este o seu primeiro mandato. De que forma prevê ou perspetiva que a sua presença na Escola António Damásio irá melhorar ou modificar a escola?
O meu antecessor, o professor António Cruz, era um homem da filosofia, que muito fez pela escola pública, defendendo valores que se traduzem, como dizia, na ética do cuidado. Continuo na mesma linha.
Acredito que com visão e dedicação conseguiremos o propósito de construir uma escola capaz de responder aos desafios da ciência, da tecnologia, da sociedade e do ambiente do séc. XXI. Uma escola que promova o sucesso de processos e resultados escolares, que forme cidadãos produtivos e capazes de manter o equilíbrio emocional num mundo incerto em relação ao futuro; uma escola que fomente o pensamento crítico e a criatividade, a cidadania ativa, participativa e responsável; uma escola cada vez mais humanizada, sustentada por uma matriz ética de solidariedade, sobriedade, justiça e respeito à pessoa.
O Agrupamento conta com uma equipa de direção e equipas de trabalho excecionais que refletem a colaboração e o empenho de todos. Só assim se conseguirá avançar e levar a barca de Santa Maria dos Olivais a bom porto.