Os amantes do hip hop deixam o seu nome entoar por todo o país, com milhões de visualizações no YouTube, vários hits e atuações por diversas regiões.
É garantido que o rapper alentejano veio trazer uma nova essência ao hip hop português, o que não se sabia ainda é que o músico se encontra prestes a lançar um novo single e a trabalhar para um novo álbum.
O que te levou a começares a fazer rap?
Penso que foi uma necessidade que foi aparecendo. Descobri como se fazia com um colega de turma, quando tinha 15 anos, que me convidou para ir para o estúdio. Ouvia e gostava muito de rap, ainda nunca tinha escrito uma letra, mas começou por aí. Gostei muito do que fiz. Não me senti especial, não senti que tivesse algo e que pudesse ser o meu futuro, mas senti que podia descarregar certas coisas de uma forma mais artística. Libertou-me musicalmente de certos sentimentos. A paixão veio do facto de poder usar a música como uma bengala para certas coisas que se estavam a passar na minha vida.
Quando é que sentiste que as tuas músicas tinham uma marca tua, um estilo original?
Passado uns dois ou três anos, quando a minha música ganhou alguma maturidade e senti um feedback maior e não só das pessoas próximas. Ganhou um feedback de fora que me chamou a atenção e que me fez pensar que até podia fazer alguma coisa de um modo mais sério.
Consideras que ser autodidata é meio caminho andado para o sucesso?
Acho que cada um tem o seu caminho e cada um o vai construindo como a vida permite. Há músicos que passam a vida a aprender em escolas e universidades e que nunca chegam a construir algo em seu nome, vão construindo algo a partir do que lhes vão ensinando. O facto de aprender sozinho se calhar permite buscar coisas únicas, que não foram feitas ou passadas. Mas são dois caminhos diferentes. Há pessoas que não aprenderam sozinhas como eu e que conseguiram ganhar outro conhecimento sobre a música. O facto de aprender e criar sozinho permite criar uma identidade ou encontrarmo-nos mais cedo, perceberes aquilo que queres fazer mais cedo. Mas é um caminho como outro qualquer.
Sempre sonhaste em ter uma carreira musical ou foi algo que surgiu sem contares?
Nunca pensei muito no que seria o meu futuro ou se ia conseguir vingar na música, fiz porque me sentia bem. Mas nunca pensei de forma tão séria até há uns anos atrás quando percebi que a minha música estava a chegar a outros lados e que me queriam ouvir fora da minha região e zona de conforto. Isso fez-me olhar para a música com outros olhos.
A tua família sempre te apoiou na criação de uma carreira musical ou não acreditavam nessa profissão?
Sim, o meu pai quando comecei a fazer música ofereceu-me um microfone e uma mesinha de mistura. Isto para aí há 14 anos atrás. Nem eu achava que ia dar continuidade a isto durante tantos anos, mas sentia que era um hobby bom que tinha e sempre teve orgulho naquilo que fiz.
Havia alguma profissão que gostavam que seguisses?
Durante muitos anos joguei futebol, sempre estive muito ligado ao desporto e o meu pai sempre teve uma grande paixão pelo futebol. Foi sempre aquilo que penso que ele gostava de me ver fazer no futuro. Sempre me pressionou muito para dar continuidade ao desporto e sempre acreditou nesse meu talento. Mas fui crescendo e os meus interesses foram mudando. Apesar de ter seguido desporto no Ensino Secundário e Superior e ter treinado equipas, tudo mudou e penso que o meu pai tem a mesma paixão e orgulho ao ver-me agora em cima de um palco, a fazer aquilo que gosto.
“Não me considero muito nova escola do hip hop”
Tiraste um curso de Treinador de Jovens Atletas na Universidade de Évora. Ponderas em ter essa profissão?
Sim, não descarto a ideia. Não penso muito nisso, o facto do meu irmão estar a levar isso mais a sério faz-me pensar que poderei um dia vir a trabalhar com ele nisso, mas vou guardar isso porque a minha vida agora está ligada à música e quero me inclinar nisso. O desporto, se não for a segunda coisa que mais gosto é a terceira.
Como é viver neste mundo da música?
Acho que no geral é bom. Tem uma parte um pouco ingrata e exposta que não adoro de todo, mas penso que é normal. É um sentimento comum para quem faz música. É congratulante ver que o que fazes é reconhecido e que as pessoas gostam da minha música. Mas depois tem um lado que nem sempre é bom. É preciso separar os dois mundos, o mundo das redes sociais e o mundo verdadeiro; as relações da música ou redes sociais e as relações fora delas. É preciso seguires um comportamento que te dê longevidade de carreira. Nem sempre dá para fazer aquilo que seria mais divertido porque temos responsabilidades, mas no geral é bom. Gosto muito da vida que tenho e espero mantê-la durante muitos mais anos.
“A poesia é uma paixão que gostava de voltar a praticar mais seriamente e promover o livro como promovo a minha música”
És considerado um dos nomes mais promissores do hip hop contemporâneo, sentes algum tipo de pressão quanto a isto?
Não penso muito nisso. Já ouvi isso algumas vezes, mas não me considero muito nova escola do hip hop. Sei que para a maior parte do país só surgi há dois ou três anos atrás, mas o meu projeto vem de há uns bons anos antes. Sinto que não me deixo muito influenciar pela moda em termos musicais, tento afastar-me, não fazer aquilo que é maioritariamente feito nos dias de hoje. Isso permite-me fazer algo mais livre.
És muito ligado às tuas raízes alentejanas. O que de melhor te trouxe esta região?
Penso que me trouxe uma identidade em relação ao rap. Sempre houve rappers, malta do hip hop, mas nunca houve um representante ou alguém que estivesse fora do Alentejo. O facto de trazer uma identidade musical e as pessoas saberem que no Alentejo também se faz rap, é algo que me enche de orgulho e espero ser um influenciador para os novos rappers que possam aparecer.
Nas tuas músicas falas daqueles que estão do teu lado. Quem são essas pessoas?
Família, namorada e amigos. São as pessoas que me apoiam e que mesmo estando em baixo, estão comigo. Neste meio é muito comum que quando ganhas um prémio ou qualquer coisa boa te acontece, o teu inbox triplica e de repente aparecem amigos “debaixo das pedras” de todo o lado. Mas quando estás em baixo e as coisas não estão a correr tão bem, são os que estão sempre do meu lado que continuam com a mesma atitude e sentimento por ti.
É a tua namorada que te motiva a fazeres rap sobre amor?
Sem dúvida. Sempre teve um papel muito importante nesse sentido. Escrevi dezenas de músicas sobre ela, exatamente porque através dela consegui chegar a um sítio em termos líricos que seria impossível chegar sozinho. Pode parecer clichê a estória da musa de inspiração, mas é o que eu sinto e acho que teve um papel importantíssimo na minha carreira porque me fez ver a música com outros olhos.
Sentes que evoluíste ao longo dos anos enquanto músico?
Sim. Uma das coisas bonitas deste ramo é que dá sempre para aprender alguma coisa. É impossível morrermos a saber tudo, na música ou em qualquer outro ramo, mas na música sinto muito isso. Quase todos os dias aprendes algo novo. Estamos em constante evolução. Como as outras artes, está em constante evolução e metamorfose.
Escreveste dois livros de poesia que disponibilizaste para download gratuito. Como surgiu esta paixão e porque não criaste antes os livros para venda?
Fiz dois livros com quatro ou cinco poemas cada. Foi algo que fiz pela paixão que tenho pela poesia. Já escrevia alguns poemas e já tinha contacto com a poesia antes de ter com o rap. A poesia é uma paixão que gostava de voltar a praticar mais seriamente e promover o livro como promovo a minha música. É algo que tenho em mente e espero que aconteça.
Na altura não havia a intenção de vender, era a intenção de ter um a ideia e conclui-la. Sempre fui muito proativo, sempre tentei ter a próxima ideia.
“Quando nos acontecem as coisas pela primeira vez fica sempre uma marca desse dia”
Mas a poesia foi algo que te deram a conhecer quando eras novo ou foste tu que ganhaste interesse em explorá-la?
Os dois. O meu avô fazia um género de quadras improvisadas, um tradicional alentejano antigo à hora do almoço, com o que se estava a passar ali, com o Benfica ou adeptos e por isso sempre me deu um prazer enorme ouvir um poema ou uma rima. Depois veio a procura na escola. Nas aulas de português recordo-me muito mais de quando estudei poetas do que outro tipo de autores. Sempre existiu uma paixão minha pela poesia, mas também me foi implicada pelo meu avô.
Quais as músicas que guardas sempre na tua playlist?
A minha música favorita é a Love Me Two Times dos The Doors. É a música com a qual mais me identifico.
Qual o projeto que mais gozo te deu a fazer?
É sempre o próximo. A próxima aventura dá sempre o sentimento de ir à descoberta e esse feeling é o que dá uma certa forma de viver e escrever. O último álbum foi o que me deu mais gozo porque era o que estava a fazer nos últimos anos. As primeiras mixtapes e CDs deram-me um gozo gigante a fazer. Não consigo estar a separá-los nesse sentido, é o feeling de estar a fazer algo novo que dá razão a isto tudo.
Já deste imensos concertos por todo o país. Houve algum que mais te marcasse?
Quando nos acontecem as coisas pela primeira vez fica sempre uma marca desse dia. No Sumol Summer Fest foi a primeira vez que tive uma imensidão de pessoas à minha frente e essa fotografia que tenho guardada na cabeça vai ficar para sempre porque foi a primeira vez. Depois vão te marcando outras pela negativa porque não correm tão bem ou não te sentes bem no espetáculo, sentes que não era suposto estares ali. Acaba por te calejar um pouco para o próximo dia. Não me arrependo de ter dado os concertos, mas preferia ter dado outros.
Já não temos há algum tempo novidades musicais tuas. Algum projeto a ser lançado num futuro próximo?
Vou lançar agora uma música este mês, estamos para fechar o vídeo. Quanto ao projeto coletivo onde vai estar inserido esse single, penso que para o início do próximo ano estará cá fora.
Então podemos esperar um álbum?
Sim. Estou a trabalhar num novo álbum. Não sei como vai ser determinado, algumas ideias às vezes vão se transformando, mas espero concluir a ideia que tenho inicial que é um álbum com o nome de Animalia e espero lançá-lo no início do próximo ano.
Vai ser inspirado em que?
Está relacionado com termos comportamentais. Animalia é um comportamento humano de uma besta que às vezes toma decisões irracionais. É um pouco uma crítica a mim próprio, quanto a certas decisões que tomei sem pensar nas consequências. É o sentimento que não aprendemos com os erros, que voltamos a fazer o que não devíamos e a estar em situações que não devíamos.
Mostras os teus erros para que outras pessoas também se possam identificar com eles?
Sim. Critico-me bastante quando as coisas não correm bem e o álbum é um pouco isso, o conseguir lidar comigo próprio e aceitar aquilo que sou, mas perceber que há possibilidade de fazer de outra forma e na desculpa de “estar a ser eu” ou de “estar a acontecer isto porque sou eu”, termos a capacidade racional de alterar as coisas menos boas da nossa vida, mas também tentar aceitar os nossos defeitos e tentar transforma-los em virtudes.
Onde vamos poder assistir a concertos teus?
Neste verão temos julho e agosto bastante completo. Vamos atuar nos Açores, no Marés Vivas em Gaia e mais 10 ou 12 concertos. Podem consultar os locais no Facebook e Instagram.
[Imagem: Cedidas pelo entrevistado]