Os exames nacionais agravam as desigualdades sociais entre os alunos e empurram a organização das escolas para uma lógica mercantilista. Quem o diz é Andreia Gouveia, autora da tese de Doutoramento em Educação Exames nacionais, apoios pedagógicos e explicações: a complexa construção dos resultados escolares em Portugal.
“É inegável que existem fundadas razões para ver no instrumento ‘exame’ uma causa para o agravamento das desigualdades sociais no acesso ao reconhecimento escolar”, de acordo com Andreia Gouveia, autora de um estudo onde concluiu também que “o grande beneficiário dos exames é o crescente mercado dos centros de explicações”.
Para elaborar este estudo, esta investigadora foi tentar perceber como é que os estudantes, as famílias, as escolas e os centros de explicações se organizam perante os exames nacionais. Ao longo de quatro anos, esteve num colégio e num agrupamento de escolas considerados de topo pelos rankings, e noutro colégio e noutro agrupamento de escolas que se encontram no fundo dessas tabelas. Em todos eles entrevistou os diretores e membros da direção, diretores dos centros de explicações mais referenciados e um total de 692 alunos em ano de realização de exames nacionais (que à data da realização da tese se faziam nos 4º, 6º, 9º, 11º e 12º anos).
Explicações não são para todos
Segundo o que apurou Andreia Gouveia, apenas 26 estudantes do 4º ano frequentaram explicações – já no 12º ano, esse número sobe para os 174 estudantes. A maioria disse tê-lo feito para se preparar melhor para os exames nacionais.
De resto, apenas os jovens do agrupamento de escolas público pior classificado no ranking afirmaram não recorrer a explicações, uma vez que “a sua condição socioeconómica não o permitia”. Para a investigadora, este facto levanta “inquietantes preocupações de justiça social e equidade”, uma vez que nem todas as famílias podem suportar uma média de 80 euros mensais por duas horas semanais de explicações, no caso dos alunos do Ensino Básico, ou de 160 euros para os alunos do Ensino Secundário. Uma mensalidade que pode atingir valores mais elevados, consoante o número de horas e de disciplinas envolvidos.
Quem mais procura os centros de explicações são os estudantes das escolas melhor posicionadas, sendo que a maioria dos alunos da escola pública afirmaram recorrer a explicações em todos os níveis de ensino. Para Andreia Gouveia, estes dados “permitiram-nos verificar como o mercado de explicações influencia o sistema formal de ensino, pois ao frequentarem as explicações fora da escola os alunos deixam de frequentar os apoios oferecidos no interior da escola”.
Exames. Resultados acima de tudo
Esta investigadora vê nos exames “fragilidades”, que começam “pela sua descontextualização face aos espaços de ensino-aprendizagem: não importa o processo para chegar aos resultados, o que importa acima de tudo é o resultado”. E se não importa o processo, “as famílias vão usar todos os meios ao seu alcance para atingirem o fim máximo da performance escolar, que é aquilo a que se convencionou chamar a excelência escolar”, aponta.
E se dessa “excelência” depender o acesso à universidade e, com isso, um futuro promissor, as famílias informadas e com poder de compra sabem quais as estratégias mais seguras: “assegurar a frequência das ‘melhores’ escolas e dos ‘melhores’ explicadores, e quanto mais cedo melhor”.
Para Andreia Gouveia, os exames nacionais deveriam “ser entendidos como mais um instrumento, mais um método, retirando-lhes a excessiva valorização que está na origem de momentos de enorme tensão, stress e ansiedade para todos os alunos e suas famílias, bem como para os estabelecimentos de ensino que frequentam”.
Esta especialista lembra a realidade de países onde não se conhecem exames nacionais, como é o caso da Dinamarca, da Finlândia ou da Suécia, e que apresentam níveis muito baixos quer de oferta, quer de procura de explicações. Países onde, nas suas palavras “é inquestionável para as famílias a qualidade do ensino público prestado, não sendo por isso alimentado o mercado paralelo ao sistema formal de ensino”.
[Fonte e Foto: Universidade de Aveiro]