Nunca percebeste bem o que é isto do Cosplay e o que leva as pessoas a mascararem-se? Ou, pelo contrário, andas a pensar em representar a tua personagem favorita? Falámos com três das principais cosplayers portuguesas, e explicamos-te tudo sobre a arte de encarnar os maiores nomes da cultura pop.
Cosplay: um concurso de máscaras?
Será certamente este o pensamento de muitas pessoas que desconhecem o mundo do Cosplay. Mas quando falamos com quem está por dentro do assunto, percebemos que esta prática é muito mais do que perucas de cores berrantes ou fatos de Carnaval.
A Leonor Grácias é, provavelmente, a maior cosplayer portuguesa – aos 26 anos, já leva 12 de Cosplay, é fundadora e Presidente da Associação Portuguesa de Cosplay e organizadora da Comic Con Portugal – e explicou-nos que esta é “uma das artes performativa do nosso século, apesar de não ser reconhecida como tal”. Os cosplayers não se mascaram apenas, costuram os seus próprios fatos, caracterizam-se com maquilhagem ou até próteses, estilizam as suas perucas, esculpem as suas espadas, moldam as suas armaduras, ensaiam os seus guiões, e o mais importante, representam as suas personagens favoritas, em palco e/ou fora dele.
Cosplay é costume play, mas associado ao teatro. Assim define o género a Sara Raquel, outra das cosplayers mais importantes no nosso país. Na sua opinião, “muita gente começa a interessar-se por este mundo pelo fascínio por uma determinada personagem e/ou pelas suas roupas, mas isso evolui rapidamente para o momento de sermos a personagem”. O Cosplay deixa então de ser o usar de uma máscara, para passar a ser uma interpretação completa, onde o fã encarna a personagem de que tanto gosta.
Para a grande maioria das pessoas, o Cosplay é e será sempre um hobby, mas os profissionais como a Leonor Grácias levam esta arte muito a sério, e tratam-na como se fosse uma verdadeira profissão. Segundo esta cosplayer, “deixou de ser apenas um hobby, para se tornar em algo que me traz ferramentas para a vida, onde invisto o meu tempo e o meu dinheiro. Os cosplayers que, como eu, fazem isto a nível profissional, querem ser levados a sério por isso”.
E quando falamos em levar a sério, é muito a sério mesmo. Associadas ao Cosplay existem já várias competições onde, de acordo com a Leonor, os seus praticantes “acrescentam ao andar pelos eventos e ao interagir com o público, um grande esforço para fazerem a melhor atuação de sempre”. É aqui que a semelhança entre o Cosplay e o teatro fica mais clara, porque “se reflete mais o desejo de se estar em palco e de representar o melhor que podemos a nossa personagem”, conclui a Leonor.
É por todas estas razões que se sentiu a necessidade de criar a Associação Portuguesa de Cosplay, e para “começar a mudar mentalidades, tanto do público em geral, como dos próprios cosplayers”, de acordo com a Leonor Grácias. Esta organização tem como objetivos “providenciar mais informação sobre o Cosplay, criar pontes claras e acessíveis entre os praticantes e as entidades ligadas à modalidade, e contribuir para que trabalhem em conjunto de forma legal e benéfica para ambas as partes”, garante a fundadora desta associação.
“Realizar um desejo de criança em idade adulta”
Muitas das pessoas que acabam por aderir ao Cosplay têm interesse por banda desenhada e pela manga japonesa. As três cosplayers com quem falámos lembram-se de ver desenhos animados desde muito novas, e de já aí ensaiarem uma espécie de cosplay: “Comecei desde muito cedo, apesar de na altura não ter a verdadeira noção do que era o cosplay, nem do que lhe estava associado”, refere a Leonor Grácias. A infância foi marcada pelos desenhos animados, “não tanto os da Disney, e mais os desenhos animados japoneses que davam na TV nacional. Acho que não podia ter “escolhido’ ter melhor altura para ser criança”, lembra com entusiasmo, enquanto recorda as tardes em que “toda a gente saía a correr da escola para ir ver o Dragon Ball”.
Foi nessa altura que o Cosplay entrou na vida da Leonor, e ela congratula-se por “ter conseguido agarrar na minha grande imaginação e criatividade, e aplicá-la em algo que me satisfizesse. Não me considero uma animadora sociocultural, mas a verdade é que quem é cosplayer é um performer, um verdadeiro artista de palco”!
A Sara Raquel é, por sua vez, fã de manga desde o secundário, e “com o acesso à internet a massificar-se, bem como os eventos do estilo do Iberanime a crescerem em Portugal, comecei a ver que existia mais para além dos desenhos animados, como por exemplo, o Cosplay”. A Sara chegou a participar em edições muito pequenas do Iberanime, onde ainda era raro ver um cosplayer. Mas quando eles apareciam, ela olhava para eles encantada, até que em 2013 fez o seu primeiro cosplay. “É outra liberdade. É a possibilidade de sermos mais. É tão bom deixar a fantasia entrar na nossa vida, seja através de histórias ou jogos… O Cosplay é apenas mais uma forma incrível de a experienciar no dia a dia”, conta-nos a Sara.
Uma coisa parece ser certa: É difícil largar o Cosplay depois de o experimentar. A Suse Santos é mais uma das principais cosplayers da nossa praça e membro da Associação Portuguesa de Cosplay, e não tem dúvidas: Esta atividade é “o realizar de um desejo de criança, já em idade adulta”. Para ela, começou por ser uma pequena experiência, e agora “tornou-se quase uma obsessão (saudável). Desde pequena que me mascaro e quero aproveitar ao máximo a sensação de ser um herói, uma princesa, ou qualquer personagem que me capte a atenção. Realizar esse desejo agora, mesmo em adulto, é fantástico!”
Vestir um fato e representar uma personagem
Mas, afinal, como é que se chega aos fantásticos fatos que vês nos eventos e nas fotos? Quem os escolhe e como? Para todas as cosplayers com quem falámos, o que realmente importa é vestirem-se das suas personagens favoritas, com quem sentem uma grande ligação e pelas quais têm um grande fascínio.
A Leonor Grácias refere que os cosplayers, “com exceção daqueles que são pagos por grandes companhias para fazer promoção a certas personagens, vestem-se das suas personagens favoritas, não importando a etnia, o tipo de corpo, o género”.
Mas existem também cosplayers que vestem personagens de outro género – os chamados crossplayers, pela representação de alguém de género diferente.
A própria Leonor já subiu ao palco e ganhou prémios, vestida de personagens masculinas. Uma delas é extremamente conhecida, dá pelo nome de Freddie Mercury, o antigo vocalista dos Queen, e foi uma das personagens que “mais prazer deu fazer” à Leonor, por ser o seu “ídolo de infância”. E quando o Cosplay é levado muito a sério, não se fica pelo fato: “O método de caracterização foi muito gratificante, pois não contei só com a maquilhagem, mas sim com um processo exaustivo de treino para conseguir ter, em palco, as feições, os gestos e até a posição da boca dele!”
Para se interpretar bem uma personagem, é preciso conhecer a história dela, a sua personalidade e é preciso saber também interpretá-la. É o que nos diz a Sara Raquel, que revela ainda que, quando o objetivo é entrar numa competição, procura “uma personagem de que goste, mas que também seja complexa o suficiente para levar a concurso”. Se, ao invés, o propósito for o de ir a um evento para conviver e tirar fotos com os fãs, o fato pode até ser “o mais simples de sempre, o que interessa é que me sinta bem e me divirta!”
Os eventos
Se o Cosplay começa agora a ser falado e conhecido por muita gente, a verdade é que há quem o faça há mais de uma década. A nossa Leonor Grácias é um desses exemplos, tendo-se iniciado nesta prática em 2005, e conta que na altura “eram muito poucos os que o faziam”. Começou desde cedo a viajar, de norte a sul do país, para acompanhar e participar nos poucos eventos do género que existiam, e foi assim que se tornou num dos principais nomes do Cosplay em Portugal.
Uns anos depois, a Leonor começou a viajar para fora do país para marcar presença nos grandes eventos europeus de Cosplay: Primeiro como visitante, depois como representante portuguesa em concursos, na Europa e na Ásia. Em 2013/2014, foi escolhida para ser a primeira “tuga” no World Cosplay Summit, um concurso mundial onde participam cosplayers de cerca de 26 países.
À medida que um cosplayer se vai tornando (re)conhecido, pelo número de eventos a que vai, pela comunidade com a qual contacta, e sobretudo pela qualidade do seu trabalho, podem surgir outras oportunidades. É isso que acontece com a Leonor, que é hoje requisitada com frequência para participar em eventos – nacionais e internacionais – alguns dos quais de caráter educativo e ligados à cultura asiática, bem como para fazer “palestras e formações sobre o Cosplay”.
Esta cosplayer participa ainda na organização de eventos, na revista online Cosplayer E-zine, e é responsável pela organização da área de Cosplay na Comic Con Portugal, para além de ser a Presidente da Associação Portuguesa de Cosplay.
Outros dos eventos por excelência para o Cosplay em Portugal são o Iberanime, em Lisboa e no Porto, e o Aonime em Braga, ao quais a Sara Raquel vai desde as primeiras edições. Mas existem também iniciativas próprias onde se compete pelo título de melhor cosplayer, nomeadamente as eliminatórias de acesso ao World Cosplay Summit, onde é apurado atualmente o representante português na prova final.
No ano passado, a Suse Santos foi uma das apuradas, e representou Portugal na final mundial do concurso, em Tóquio. Entretanto, este ano, já se apuraram os representantes lusos na WCS 2017 – a Team Bushimo, composta pela Carolina Albernaz e pelo João Feitor.
Tanto a Sara Raquel como a Suse Santos têm o mesmo objetivo, ao participar nestas competições: o conhecimento. A Sara pretende “continuar a evoluir, seja na arte de costurar ou de colocar maquilhagem, e levar as pessoas a reconhecer o meu trabalho”, e a Suse valoriza muito “a possibilidade de trocar conhecimentos com colegas cosplayers e de crescer na área, de partilhar interesses e histórias, e no final, divertir-me ao máximo”.
Como ser um cosplayer?
Pedimos conselhos às nossas cosplayers sobre o que precisas de fazer para chegar ao nível delas. A primeira mensagem que deves reter é da Sara Raquel, que assegura que “o Cosplay é para todas as idades, tamanhos e gostos”, e que o mais importante é “sentires-te confortável e escolheres uma personagem porque gostas dela”. A Leonor Grácias aconselha-te a “não querer começar por cima, e a levar tudo com calma e com tempo”. Na sua opinião, “costurar, caracterizar e representar não se aprende de um dia para o outro, por isso não podemos ter pressa ou desistir”. Podes começar por “um fato mais básico, ou mesmo por um fato comprado, onde só tenhas de fazer algumas modificações ou acrescentar alguns acessórios”, conforme te explicam a Leonor e a Sara.
Diz a experiência da Sara Raquel que “é normal sentir-se alguma vergonha ao início, mas assim que começam a receber a reação das pessoas, e a ouvir o nome da personagem em vez do vosso, é outra sensação e em vez de ouvirem chamar pelo vosso nome, ouvem o da personagem, é uma sensação completamente diferente, e é o reconhecimento de que és realmente a personagem que escolheste”.
Para que isso possa começar a acontecer, a Leonor Grácias sugere que tentes “participar nos concursos gerais para ganhares o gosto”, sem te atirares logo para as competições sérias porque isso “pode ser desmotivante, pois são bastante competitivas e existe muita pressão envolvida”. E mesmo que não tenhas muitos amigos com quem possas ir aos eventos, lembra-te que “vais conhecer imensa gente, e é muito fácil meter conversa porque uma das barreiras sociais não existe ali: estás num evento com pessoas que gostam do mesmo que tu, e estão lá todos pelo mesmo motivo”, conclui a Leonor.
Para criares os teus fatos, podes utilizar muitas abordagens e materiais diferentes. Tudo isso varia “de pessoa para pessoa, da experiência e dos métodos apreendidos”, de acordo com a Leonor. Na visão desta cosplayer, existem tantos fatores que influenciam a criação de um fato, “que não existe um método, ciência ou regra para os construir. No Cosplay és tu quem toma as decisões”.
A Sara Raquel aconselha-te a começar por “coisas simples, porque a cada Cosplay aprende-se algo novo que pode ser utilizado no fato seguinte”. E dá-te um pequeno passo-a-passo:
– Arranja imagens de referência (muito importante!);
– Faz um template dos cortes necessários (muitas vezes procuro, por exemplo, uma camisola com aquela gola específica, e utilizo isso como exemplo dos cortes, ou então procuro templates no Google – existem livros disto também!) – e assim ficas com uma ideia melhor da quantidade de tecido de que precisas;
– Procura tecidos e tem em consideração se queres pintar, se precisas de esticar, etc.;
– Faz a magia acontecer (aqui acabo por recorrer bastante ao Google também, para ver técnicas de que precise).
No final, quando o fato estiver praticamente concluído, é altura de te focares nos props. Aí, de acordo com a Sara, “o processo de construção é idêntico, mas grande parte foca-se em como fazer o prop prático, por exemplo, estudando materiais de forma a que não seja algo muito pesado e que dê para desmontar, entre outras coisas”.
Para fazeres tudo isto, a Suse Santos recomenda que precises a informação de que precisas “na internet, onde existem vários tutoriais que mostram as diferentes técnicas”, ou ainda “em revistas de costura para iniciantes, como a Burda, e em revistas de Cosplay com tutoriais, como a Cosplay Gen”.
Deixamos-te ainda alguns dos melhores links sobre Cosplay:
facebook.com/AssociacaodeCosplay
associacaocosplay.pt
facebook.com/heroisdocosplay
facebook.com/cosplayerpt
worldcosplay.net
cosplayerzine.net
aniplay.pt
tsubaki.pt
[Reportagem: Tiago Belim]