A frase é de Nelson Nunes, autor de Com o Humor não se Brinca, um livro onde 26 dos principais humoristas portugueses falam na primeira pessoa – e a sério – sobre a arte de escrever uma boa piada. E se também tu gostas de uma boa guitarrada, esta entrevista é uma daquelas “malhas” que não podes perder.
As pessoas gostam de rir. Mas porquê um livro sobre as pessoas que nos fazem rir?
Acho que há várias dimensões. Primeiro, eu gosto muito de ler, e a dada altura percebi que queria ler algo que não existia: Os humoristas a falar a sério sobre o trabalho deles. Isto começou com conversas que eu ia tendo com o Rui Sinel de Cordes, e foi com ele que percebi que os humoristas têm muito mais para dizer do que piadas. Ao mesmo tempo, este livro foi uma espécie de desculpa para conhecer estas pessoas e poder perguntar-lhes tudo o que queria, e também para escrever sobre as ideias de outras pessoas, que é algo que me dá muito gozo.
Eu acho que este livro tem interesse para o público, não só pelo tipo de conversa que é, mas também porque são figuras que toda a gente quer ouvir falar. A prova foi a apresentação deste livro, que ao contar com a presença do Nuno Markl, foi um sucesso absoluto. Os humoristas são o novo rock, e estão a encher salas de espetáculos a um ritmo alucinante.
O que é que isso te diz acerca da sociedade portuguesa?
Acho que tem a ver sobretudo com o aumento da oferta, e isso leva-nos a cansarmo-nos menos das pessoas. Nós andámos 20 anos a ver o Herman, até aparecer concorrência, e aí ele começou a perder alguma notoriedade, o que é normal e também reflete um certo cansaço do público em relação a ele, porque ele foi o único a fazer humor durante muito tempo. Algures em 2011, o Ricardo Araújo Pereira também estava em todo o lado, dos programas de humor ao comentário, à publicidade e à imprensa, e isso cansa as pessoas. Mas nós nunca perdemos a vontade de rir, e é por isso que estamos a viver tempos tão bons, em que há muita gente diferente a fazer humor.
Quiseste compreender o humor. O que está por detrás daquela piada que te deitou ao chão. A que conclusões chegaste?
Eu não gosto muito de conclusões, porque quando temos muitas, parece que não ficamos cá a fazer nada. Eu gosto de voltar aos livros e descobrir coisas novas, e o que eu queria aqui era ter muitas vozes e aprender com elas. E eles dizem tanta coisa neste livro, que eu sinto que posso reler tudo daqui por um ano e continuar a encontrar dados interessantes.
A única conclusão a que cheguei é que o humor é um paradoxo muito grande, porque tanto podes ter piadas hilariantes sobre o “xixi” e o “cocó”, como podes ter piadas hilariantes sobre o assessor de imprensa do Donald Trump. É tudo menos matemático, e é isso que torna o humor tão encantador. Os próprios humoristas divergem de opinião neste ponto: O Salvador Martinha diz que o humor parte sempre da surpresa, e o Ricardo Araújo Pereira rebate, dizendo que se chegar a casa e encontrar a mulher na cama com dois angolanos, fica muito surpreendido mas com pouca vontade de se rir…
Tu és fã de toda esta malta, e no entanto, tens sido muito elogiado pelo distanciamento que consegues ter. Ainda assim, para ti há neste livro comediantes e comediantes? Há o Herman José e todos os outros, por exemplo?
Nem por isso. Para mim eles são todos diferentes, e embora possa parecer que estou a dar uma grande tanga, a verdade é que me rio muito com todos. Talvez me ria menos com os mais novos, mas isso talvez seja da inexperiência deles, ou simplesmente pelo facto de já serem de uma geração diferente da minha, e de se rirem de coisas diferentes. Mas é difícil eleger uns em detrimento dos outros, porque tenho carinho especial por todos, e porque sou capaz de me rir com humor inteligente, mas também com o nonsense.
Falaste de humor e sobre humor com todos eles, mas são pessoas muito diferentes. Como te preparaste para cada entrevista? Houve alguém que te tivesse apanhado de surpresa?
A preparação, a ser rigoroso, durou 20 anos. Porque eu sou fã deles, e é por isso que os conheço relativamente bem. Para as entrevistas propriamente ditas, fiz duas coisas: A primeira foi um refresh de tudo o que já sabia, a segunda foi ceder à minha curiosidade. Há um fenómeno do público em relação aos humoristas, em que todos nós tomamos contacto com eles quando já têm carreira feita, e eu queria saber quem são estas pessoas que tentam fazer-nos rir, e compreender o seu lado mais humano. Tinha uma bóia – que era o meu guião – mas também queria nadar, e absorver tudo o que eles tivessem para partilhar.
De todas as entrevistas que fizeste, sei que a mais constrangedora talvez tenha sido com o Bruno Nogueira, e que a com o RAP te encheu as medidas. Mas se te pedisse para me escolheres uma piada que te tenha marcado especialmente, ou que te tenha feito rir muito, qual seria e de quem seria?
Em relação ao Bruno Nogueira, senti que ele estava um pouco reservado, mas nada mais que isso. Talvez a entrevista mais complicada tenha sido a que fiz ao Nilton, porque sabia que tinha de lhe perguntar se ele rouba piadas, e há anos que ele tem de lidar com isso…
Quanto à piada, há uma que é muito importante para mim, porque me ri muito e também porque percebi que esta viagem tinha chegado ao fim. O João Quadros contou-me que, quando a equipa médica estava a levar o pai dele para ser operado, ele disse “Não se esqueçam que vão operar o maior travesti que este país já viu…” Toda a gente se desmanchou a rir, e o percurso para o bloco operatório acabou por ser menos pesado.
O Quadros foi a última pessoa que entrevistei, e lembro-me de descer no elevador com esta piada na cabeça, e de pensar: “’Granda’ cena que isto foi”…
Com o Humor não se Brinca
Autor: Nelson Nunes
Editora: Vogais
Nº de Páginas: 352
P.V.P.: 16,59 euros
[Entrevista: Tiago Belim]
[Foto: Vogais]