Entrevista | Maria José Fernandes: “O maior desafio é podermos utilizar a designação Universidade Politécnica”
Alterações ao regime jurídico do Ensino Superior Politécnico, questões demográficas e económicas, igualdade de oportunidades e o futuro dos Politécnicos marcaram a entrevista à Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP).
Em conversa, a Dra. Maria José Fernandes identificou as necessidades e desafios atuais deste ensino vocacional e deixou pistas para a resolução destas questões no futuro.
O CCISP assumiu como preocupação a inacessibilidade do alojamento estudantil. Sendo a habitação a maior barreira que os alunos enfrentam ao entrar no Ensino Superior. Quais as medidas previstas para ajudar os jovens a ultrapassar este obstáculo?
A medida mais macro que está prevista, é o plano de alojamento que já está em curso, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. No sistema Politécnico está a apostar-se na construção de novos alojamentos como no caso do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), mas também na remodelação e requalificação com vista ao alargamento de edifícios já existentes.
O que estava previsto pelo anterior Governo era haver um reforço de mais 18.000 camas, portanto, este número já constitui um aumento significativo do número de camas, algumas inclusive, já foram inauguradas. A questão do alojamento é, naturalmente, um dos problemas maiores para os alunos e, analisando do ponto de vista global, esta questão surgiu, apenas, porque nos últimos anos o preço dos alojamentos aumentou significativamente, tornando-se incomportável para um elevado número de estudantes.
A propósito desta temática, foi recentemente publicado um estudo sobre o abandono escolar, que relaciona esta questão do alojamento com o abandono escolar.
Nos últimos anos muito se alterou e se modernizou no Ensino Superior Politécnico, nomeadamente ao nível dos Doutoramentos, da alteração da designação das Instituições Politécnicas e de uma maior exigência na qualificação dos professores. Estas atualizações permitiram dar oportunidades idênticas a todos os estudantes e promover a qualificação do território ou ainda há trabalho a fazer neste sentido?
Efetivamente ao olhar para o sistema Politécnico, vemos uma evolução muito significativa daquilo que eram os Politécnicos e o que são atualmente, não tanto ao nível da formação, porque essa sempre existiu. Falando na evolução dos politécnicos, no caso da investigação, esta relaciona-se intimamente com uma maior qualificação do seu corpo docente. Este boost foi dado entre 2008 e 2009, com a revisão do estatuto da carreira docente, em que se exigiu que para se ser docente e para se entrar na carreira, teria de se ter Doutoramento, portanto, naturalmente que agora se está a colher os frutos de todo este investimento.
Atualmente, não há nenhum docente que não seja doutorado e, associado ao doutoramento está a investigação, a participação em Centros de Investigação, a publicação e a participação em projetos e a criação de Centros de Investigação. Sentimos que estamos, de facto, a trabalhar no sentido de criar um caminho de efetiva afirmação em áreas onde não estávamos tão bem posicionados há poucos anos. Este é um caminho que temos de fazer e a possibilidade de ministrar Doutoramentos é o reconhecimento do trabalho que está a ser feito nos Politécnicos.
Estas alterações permitiram dar oportunidades idênticas aos estudantes do Universitário e do Politécnico?
Isso é o que se pretende. Vejamos a evolução dos últimos 30 anos, quando eu entrei para a carreira Politécnica há cerca de 27 anos, só existiam os bacharelatos, posteriormente, passamos para as Licenciaturas, em 2006/2007 chegaram os Mestrados a todas as Instituições, agora os Doutoramentos. Já tínhamos disponíveis alguns Doutoramentos, mas funcionavam em parceria com as Universidades. Agora autonomamente, podemos atribuir o grau.
Para um aluno que esteja a finalizar o 12º ano, o que distingue a missão e a ação do Ensino Superior Politécnico, comparativamente ao Ensino Superior Universitário?
O Politécnico tem um cariz mais profissionalizante, daí a importância dos estágios no plano de estudos. No Ensino Politécnico, a maioria dos cursos contempla sempre um estágio, pois é uma formação vocacionada para uma profissão, para o mercado de trabalho e as suas exigências. Em Portugal temos dois sistemas educativos possíveis no Ensino Superior, um sistema binário: o Universitário e o Politécnico. Se optarmos por um caminho de caráter maioritariamente científico e teórico, no que diz respeito aos conceitos da aprendizagem, optamos pelo Universitário. Se o aluno procura algo com um caráter vocacional, a escolha deverá recair no Politécnico.
O que nós defendemos, enquanto Ensino Politécnico, é a manutenção do sistema binário, um sistema para perfis diferentes.
Ainda é sentida uma discriminação entre o Ensino Superior Universitário e o Politécnico?
Falando a título individual, não sinto essa discriminação, porque estou inserida neste meio, mas admito que a sociedade, entre as famílias, a realidade não é a mesma e o conhecimento de causa também não. Eu recebo os pais dos nossos estudantes e eles referem que os seus filhos estão na Universidade, julgo que esta é uma forma lata de se referirem ao Ensino Superior.
Acredito que possa ainda haver uma discriminação, embora tenha evoluído muito favoravelmente, nos últimos anos, haverá ainda alguma discriminação relativamente àquilo que são as Instituições Politécnicas, em comparação com as Universidades, mas tendencialmente irá dissipar-se.
Relativamente ao projeto-piloto que atribui vagas aos beneficiários da ação social, estas têm vindo a ser totalmente preenchidas. Como é que classificaria este projeto-piloto até ao momento?
Acho que foi uma iniciativa interessante, por exemplo, no Politécnico do Cávado e do Ave há uma estudante de Design, que não tinha entrado se não fosse por esse regime, mas não é caso único! É uma medida importante, porque não podemos dissociar que as condições socioeconómicas estão associadas às condições de ingresso no Ensino Superior, inevitavelmente. Quem tem melhores condições de vida, tem uma maior facilidade em aceder a este nível de ensino. Esse continua a ser o maior estigma no Acesso ao Ensino Superior, as condições socioeconómicas têm uma influência muito grande, não só no acesso, mas também ao local onde os alunos ficam colocados. Fazendo uma estatística dos alunos que estão nos designados cursos de excelência com notas superiores a 17 ou 18 valores, são quem tem (mas não só) as melhores condições de vida e, por isso, tem acesso a maiores e melhores oportunidades. Esta medida é uma forma de equilibrar a balança.
Todos os anos há vários cursos (nomeadamente em zonas menos populosas) que ficam com 100% das vagas por preencher. Como se pode alterar esta tendência?
Para alterar esta tendência era preciso alterar a taxa de natalidade e ainda assim, só daqui a 18 anos é que iríamos ver os resultados. Em Portugal, como é sabido, existem problemas demográficos significativos, que começaram há vários anos e agora estamos a viver as consequências.
Para colmatar a curto prazo esta questão, é importante acolher alunos estrangeiros, que preencham as nossas vagas. Apenas com a população portuguesa isso não é possível. Felizmente em Escolas Secundárias, por exemplo, da região de Braga, uma realidade que me é familiar, estão a ser aumentadas as turmas para acolher e integrar alunos de outros países. Esperemos que tenham as condições para dentro de poucos anos estarem a concorrer ao Ensino Superior da região. É importante aproveitar o facto de termos muitos imigrantes a escolher Portugal para viver, para trabalhar e constituir família.