Entrevista Selo SaudávelMente – Colégio de São Miguel
O Colégio de São Miguel com uma história de mais de cinco décadas, assume a missão de preparar os jovens para as exigências do futuro, respeitando a diferença de cada um e mantendo-se fiel a uma cultura humanista que caracteriza uma escola universal católica. Com o bem-estar, a atenção e o cuidado pelo outro no horizonte, o Diretor Manuel Lourenço e a Psicóloga Dra. Cristina Silva abriram as portas do seu Colégio e revelaram as boas práticas que estão por detrás da atribuição do Selo Escola SaudávelMente, atribuído pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.
O Colégio de São Miguel é um colégio fiel à sua matriz cristã. De que modo os valores do colégio são transmitidos aos alunos?
Dr. Manuel: O Colégio de São Miguel é uma escola católica que existe desde 1962. O nosso colégio sendo católico, é uma escola universal, o que significa que é uma escola aberta a todos e que vê cada indivíduo pela sua especificidade. Por isso, para cada aluno são criadas estratégias diferenciadas, de modo a alcançarmos aquilo a que nos propomos com o processo formativo educacional global. Em termos de formação, por via de sermos uma escola católica, contamos com uma cultura humanista. Isto significa que percecionamos cada indivíduo como alguém que é um ser humano, e não apenas alguém a quem vamos transmitir saberes, até porque este modelo pedagógico está totalmente ultrapassado. A nossa perceção é que cada aluno é um indivíduo multidimensional, que tem várias áreas pessoais a desenvolver e a escola só é competente se conseguir trabalhar todas as áreas do indivíduo, em termos académicos, físicos, relacionais, comunicacionais, incluindo soft skills para o trabalho, afetivo, moral. Tudo isto só funciona de forma bem-sucedida se a comunidade – um conjunto de pessoas com algo em comum – funcionar efetivamente como uma comunidade. Se os educadores, professores, funcionários, direção e pais do Colégio de S. Miguel trabalharem neste sentido, em conjunto, com a mesma visão da educação, deste modo, mais facilmente, teremos sucesso com os alunos.
“Com o São Miguel procura e arrisca” é o lema do Colégio para este ano. Quais são as ferramentas, com as quais o colégio dota os alunos, para que estes sejam cidadãos lutadores, fiéis aos seus valores e às suas ambições?
Dr. Manuel: Um dos grandes desafios que as escolas têm atualmente é contribuir para que os alunos tenham objetivos, tenham horizontes, tenham algo que os motive a aprender. Hoje as faixas etárias mais jovens vivem muito melhor do que viveram os pais na sua juventude. Antes de 1974, não havia acesso a bens nem à educação, não havia a liberdade que hoje temos. Quem nasceu no século XXI – salvo exceções que lamentamos -, não passou fome, tem acesso à educação, à saúde, à internet, à liberdade de expressão… As gerações mais novas correm o risco de pensar que as coisas acontecem “por direito”, porque esta lhes é favorável desde que nasceram. Mas mais cedo ou mais tarde haverá um choque de realidade. Por exemplo, se os pais perderem rendimentos, ou se perderem a qualidade de vida a que estão habituados; ou quando entrarem no ensino superior e o curso que achavam que iam ser fácil, afinal não é; ou quando entrarem no mercado de trabalho e virem que as injustiças acontecem…. Quanto mais os alunos tiverem ferramentas para lidarem com as vicissitudes da vida, melhor estão preparados. É nossa função trabalhar os alunos neste sentido. Devemos cuidar do seu processo de crescimento para que quando terminem o 12.º ano, tenham ferramentas pessoais robustas, para enfrentar o mundo, e sociais para se inserirem nas comunidades e contribuírem ativamente para elas. É preciso arriscar fazer, ter esta audácia! Atualmente, as pessoas não o fazem, porque ao arriscarem, estão a arriscar falhar e as pessoas não estão habituadas ao insucesso. A sociedade encaminha estas gerações a algum comodismo, por isso o nosso lema desafia a comunidade a ser curiosa, a inovar e a arriscar.
Dra. Cristina: O “Procurar” também tem que ver com um incentivo ao autoconhecimento, incentivamos os alunos a fazerem uma reflexão pessoal e sobre aquilo que é o seu projeto de vida, incentivamos os alunos a procurarem dentro de si as respostas e depois de as saberem, arriscarem para as concretizar!
Ao Colégio São Miguel foi atribuído o selo Escola SaudávelMente. O que foi preciso reunir internamente para considerarem que existiam condições para se candidatarem a este Selo?
Dr. Manuel: Na própria matriz de escola católica está implicada uma comunidade participativa, que é uma das exigências necessárias à saúde mental. Se estivermos inseridos numa comunidade com a qual nos identifiquemos e partilhemos valores e objetivos, estamos a caminhar para o isolamento e a solidão e consequentemente para a falta de saúde mental. Assim, esta preocupação com o bem-estar físico e emocional de toda a comunidade educativa – direção, pais, professores, educadores, funcionários e alunos -, não é recente na história de uma escola católica e o nosso projeto educativo reflete exatamente isso. Por outro lado, o nosso serviço de psicologia já desde 2017 que tenta obter este Selo, o que reflete uma preocupação face a este tema que é anterior à pandemia, o que não significa que com a pandemia não tenha ganhado um outro relevo. Só havendo o bem-estar de todas as pessoas que trabalham no Colégio é que conseguimos promover o bem-estar das crianças e das suas famílias.
Quais as práticas adotadas que valeram a conquista desta distinção?
Dra. Cristina: Em termos de práticas, podemos destacar alguns programas de continuidade desenvolvidos internamente há alguns anos e que irão continuar a acontecer, por exemplo, no que diz respeito ao desenvolvimento de competências socioemocionais, que tanto ajudam no campo da saúde mental, como o Dr. Manuel mencionou. Temos um projeto no 2.º ciclo, a que chamámos Programa Quintos – o nome deve-se ao facto de inicialmente ter sido realizado com os quintos anos, mas este ano está a ser realizado com os sextos anos e, por isso, designa-se agora de Programa Sextos – que pretende fortalecer os laços dentro de uma turma. Este programa trabalha variadas competências nomeadamente, autorregulação emocional, trabalho em equipa e competências sociais. Ao longo de um dia, realizam-se inicialmente atividades de autoconhecimento, seguidas de várias dinâmicas de grupo, para que, aos poucos, todos os alunos se sintam parte de uma mesma equipa. Um dos objetivos do programa é prevenir e/ou melhorar aspetos comportamentais individuais ou do grupo-turma. Na hora de almoço é feito um piquenique, no qual se promove o convívio entre todos e terminamos o dia com atividades lúdicas dinamizadas por alunos mais velhos de modo a favorecer a interação saudável entre todas as faixas etárias.
Em termos de educação para a cidadania, temos um programa de voluntariado: I’m Volunteer que pretende retirar os alunos de um estado de isolamento, e conduzi-los para um contacto direto com o mundo à sua volta. O propósito é que vejam realidades diferentes e não apenas a sua. Para tal, convidamos os jovens a colaborarem com instituições de apoio social, como a Cáritas por exemplo, com quem temos protocolo.
Este aspeto foi muito valorizado na nossa candidatura. Num outro prisma, desde 2020, que aderimos ao Plano Nacional das Artes e delineámos o nosso Plano Cultural de Escola anual, ligado a entidades locais como o Teatro Municipal de Ourém. Procuramos envolver os alunos de variadas maneiras através das Artes, do Apoio Social, entre outros, mediante as idades e os interesses de cada um.
Por último, dispomos de um outro programa formativo “Sou Finalista e agora?” através do qual, damos formação aos jovens, de modo a prepará-los para o pós-12º ano. Quer escolham integrar-se na vida ativa ou prosseguir estudos no ensino superior. O importante é respeitar as vontades e interesses de cada aluno, e dotá-los de conhecimentos e ferramentas, como técnicas de procura de emprego, informação sobre soft skills, imagem corporativa e imagem digital, ou seja, aquilo que é importante para eles trabalharem, independentemente do rumo académico e profissional que escolherem.
Tendo em conta que o receio e as dúvidas da fase pós-12º ano são tão naturais e usuais, qual é a recetividade dos alunos a este projeto e qual o impacto deste no seu percurso?
Dra. Cristina: De um modo geral, o programa tem sido muito bem acolhido e tem tido um impacto significativo na vida dos alunos, mas como todos os programas implementados no nosso Colégio, o “Sou Finalista e agora?” é alvo de avaliação no final do ano, quer por parte dos diretores de turma e/ou professores que assistem à formação, quer por parte dos dinamizadores e alunos. Com os dados recolhidos na avaliação, vamos melhorando o programa. Por exemplo, no primeiro ano em que foi implementado, o Programa começou apenas no final do 2.º período e no final desse ano, os alunos avaliaram-no como Muito Bom, mas revelaram que era necessário que fosse implementado mais cedo. Esta opinião generalizada demonstra precisamente o quanto este programa, os ajuda a combater ansiedades desnecessárias relacionadas com a desinformação. A realidade é que quando as pessoas estão atempadamente informadas, sentem mais confiança no processo de tomada de decisões e diminuem a hipótese de cometer erros. Os dados estatísticos dos alunos do Colégio que ingressam no ensino superior são bastante expressivos e isso ajuda-nos a perceber o quanto o nosso trabalho é útil e positivo na vida dos nossos estudantes. Quanto aos nossos alunos que não prosseguem estudos superiores, apresentam igualmente uma taxa de empregabilidade muito positiva.
Para além desta orientação vocacional, o Colégio dispõe de um Gabinete destinado ao de Serviço de Psicologia e Orientação (SPO)? Como funciona?
Dra. Cristina: Há mais de 25 anos que dispomos deste Serviço no Colégio e contamos com uma sala própria para o efeito. O nosso Gabinete funciona todos os dias da semana. O Serviço de Psicologia e Orientação Vocacional é dirigido por mim e saio muitas vezes do Gabinete para ir ao encontro dos alunos nas salas de aula, contudo realiza-se também na nossa sala, a fim de prestar um acompanhamento individualizado e personalizado às necessidades de cada aluno, quer no âmbito vocacional, quer no âmbito da aprendizagem. Este Serviço está disponível para toda a comunidade, incluindo professores e funcionários.
Dr. Manuel: O cuidado da saúde mental vai além do serviço prestado pelo SPO, começa logo na Portaria com a simpatia no acolhimento de cada criança, ou quando um aluno entra na escola de moletas e aparece um educador para o ajudar a ir para a sala de aula, estes são apenas exemplos do dia a dia. A partir do momento em que todas as crianças se sentem bem acolhidas e tratadas dentro da escola, estamos a prestar o melhor serviço possível à saúde mental e ao equilíbrio emocional.
Depois do Selo Escola SaudávelMente, há outros selos aos quais estão a tentar concorrer?
Dra. Cristina: Estamos sempre à procura de novas certificações, não pelas distinções em si, mas por aquilo que elas representam em termos de concretizações e da vida real no Colégio. Estamos sempre em busca de melhorias em áreas distintas, temos projetos novos a serem implementados. Este ano, por exemplo, estamos a implementar projetos novos na área da ciber segurança. Há outros selos, como o da Escola Sem Bullying e Sem Violência que ainda não nos foram atribuídos, porque de uns selos dependem outros e existem questões relacionadas com a tecnologia que, por vezes, não são fáceis de ultrapassar, mas tentamos ultrapassá-las e procuramos sempre alcançar novas conquistas.
Falando de aspetos concretos relacionados com a saúde mental, o bullying e a ansiedade são temas cada vez mais abordados e que exigem uma intervenção concertada e se possível preventiva. De que modo o Colégio lida, identifica e previne estas situações?
Dr. Manuel: O bullying é um conceito muito bem estudado. Para que seja considerado bullying é necessário que se reúna um conjunto de características específicas, que a Psicologia define. Levamo-lo muito a sério, devido às consequências danosas para a personalidade das vítimas. Por essa razão, no Colégio não podemos admitir qualquer tipo de bullying. Contudo, teremos de estar sempre atentos, especialmente quando cerca de 820 crianças estão juntas no mesmo espaço. Por outro lado, muitas coisas acontecem nos canais digitais fora do circuito escolar, nomeadamente nas redes sociais e sistemas de mensagens. Esta eventual conflitualidade tem repercussões no ambiente escolar e são de difícil intervenção direta. Apesar da complexidade do tema, temos um sistema de intervenção muito eficaz.
Quando necessário sinalizamos junto das entidades competentes, que uma criança possa estar a vivenciar algo que exige um cuidado clínico que na escola não temos capacidade de proporcionar.
Dra. Cristina: Temos metodologias e procedimentos definidos para lidar com estas situações que, na nossa escola são pontuais. Mais do que bullying, na nossa escola temo-nos defrontado efetivamente com o ciberbullying e este fenómeno passa despercebido por mais tempo, mas temos estruturas educativas atentas, como as Equipas Educativas, que intervêm com rapidez. As Equipas Educativas são constituídas pelos diretores de turma de um ano de escolaridade, aos quais se juntam os educadores desse mesmo ano – por educadores entenda-se auxiliares de educação, na nossa escola atribuímos essa designação -, eu, enquanto psicóloga escolar, junto-me a este grupo semanalmente numa reunião de 1 hora. Nestas reuniões há a partilha, de diferentes perspetivas, de situações vivenciadas durante essa semana. Se a situação for leve, fica dentro da Equipa Educativa e decidimos internamente o tipo de intervenção a realizar, nomeadamente, a informação aos pais. Em situações mais graves, levamos o caso à Direção Pedagógica e a outras estruturas educativas adequadas. Estas estruturas permitem-nos ter uma comunicação eficaz entre vários elementos da comunidade e uma concertação da nossa atuação. Relativamente à ansiedade, o modo de atuação coincide com o que mencionei anteriormente, o objetivo de todas as intervenções é o trabalho preventivo. Procura-se, através do SPO, dar-se formação aos docentes para que estejam dotados de conhecimentos e mecanismos que lhes permitam trabalhar preventivamente com as suas turmas. Nos casos mais graves, os alunos são encaminhados para estruturas externas de âmbito clínico ou trabalhamos com eles de forma mais incisiva e personalizada. Procuramos dotá-los de ferramentas preventivas que os tornem autossuficientes, autónomos e capazes de fazer face à realidade, sem compromisso da sua saúde mental e isto diminui a ansiedade que possam sentir ou vir a sentir.
O que gostariam que um/a aluno/a que tivesse frequentado o Colégio, dissesse sobre o período em que foi vosso/a aluno/a?
Dr. Manuel: Acredito que é quando os alunos regressam ao Colégio, anos mais tarde, que dirão algo de bom. Educar é um ato de fé e eu acredito que aquilo que estamos a fazer hoje, terá resultados a longo prazo. É desta forma que funciona a educação. Não podemos ambicionar que o impacto do nosso trabalho seja percecionado no imediato, apesar de isso poder acontecer. Genericamente, todos os alunos gostam muito de frequentar o nosso colégio e reconhecem as importantes aprendizagens que fizeram. O grande reconhecimento vem, de facto, anos mais tarde, quando os nossos ex-alunos têm filhos e os matriculam no nosso Colégio. Se esta escola continua a ser opção por parte de quem cá estudou, é porque algo de muito bom nós aqui fizemos.