Selo Escola SaudávelMente – Entrevista Drª. Sofia Ramalho, Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses
O Selo “Escola SaudávelMente” – Boas Práticas em Saúde Psicológica, Bem-Estar, Sucesso Educativo e Inclusão foi criado em 2017, com o objetivo de “reconhecer e distinguir as escolas portuguesas, cujas políticas e práticas educativas, demonstram um compromisso forte e efectivo com a promoção do desenvolvimento (cognitivo, emocional, social e de carreira), da aprendizagem, da inclusão e da saúde psicológica de toda a comunidade educativa.” Desde a sua criação, já foram atribuídos mais de 600 Selos provenientes de quase 1000 candidaturas. Para compreender o contexto e ajudar a que mais escolas consigam obter este Selo, entrevistámos a Dra. Sofia Ramalho, Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Em termos práticos no dia a dia, a pandemia já não se faz sentir, mas as perturbações e alterações que provocou, em particular nos mais jovens, ainda são uma realidade e podem até já ser perspetivadas a longo prazo. Quais as consequências emocionais e psicológicas que podem já ser observadas?
Antes de mais gostaria de agradecer o convite e de, em representação da ordem dos Psicólogos, poder dar esta entrevista. Queria deixar aqui umas palavras de agradecimento pelo trabalho que têm vindo a fazer, que tem sempre considerado a intervenção da área da psicologia naquilo que são as vossas notícias e o vosso trabalho jornalístico.
Sobre a questão inicial, a velocidade a que têm vindo a crescer as necessidades de resposta psicológica, dentro das escolas, tem sido muito grande. Antes da crise pandémica, já existia um reforço dos psicólogos no contexto escolar, portanto o crescimento da necessidade da presença dos psicólogos tem vindo a aumentar, mas não o suficiente, porque as necessidades são ainda superiores. Tudo isto chama a atenção para uma necessidade que foi surgindo ainda antes da pandemia, existia uma solicitação frequente para que os psicólogos que trabalhem em contexto escolar, interviessem em situações de crise. Por situações de crise entendemos, por exemplo, alterações súbitas no comportamento ou componente emocional dos alunos que fazem com que, num dia em particular, eles entrem em crise e batam à porta dos psicólogos. Esta situação faz com que o psicólogo, por sua vez, esteja constantemente a atuar em situações de emergência, o que por um lado, obrigou-nos a repensar o papel do psicólogo no contexto educativo, por outro, trouxe-nos muito mais consciência sobre a dificuldade dos alunos e das suas famílias em terem acesso a intervenções de foro clínico. Uma vez que na escola, mesmo que o psicólogo faça um encaminhamento para um profissional de apoio clínico, estas famílias não encontram resposta no Serviço Nacional de Saúde. Assim, cabe ao psicólogo da escola realizar esta intervenção clínica – o que não é suposto acontecer neste âmbito – e, muitas vezes, não restam meios para atuar de uma forma preventiva ou de promoção da saúde mental. Deste modo, a atuação do psicólogo começa a ser mais individual do que coletiva. Contudo, é importante frisar que o trabalho do psicólogo deve incidir na promoção de competências pessoais e sociais, de uma forma mais ampla, para que as suas intervenções possam promover a resiliência dos alunos, atender às necessidades específicas dos professores, nomeadamente ao nível de comportamentos de sala de aula, indisciplina, dificuldades de aquisição de aprendizagem e, neste caso, o trabalho realiza-se ao nível da consultoria colaborativa com os professores e não diretamente junto dos alunos. Estas circunstâncias obrigaram a Ordem dos Psicólogos a pensar sobre este panorama e a contribuir para a sua alteração.
Para isso, quisemos identificar boas práticas dos Serviços de Psicologia no âmbito escolar, quer ao nível da promoção e prevenção, quer ao nível das aprendizagens e comportamentos e chamar à atenção para as boas práticas que acontecem nas escolas, assim surgiu a ideia da campanha “Escola SaudávelMente”. Esta campanha inclui diferentes tópicos: Primeiro, a promoção de literacia de saúde psicológica e bem-estar para todos os elementos da comunidade educativa, (no nosso site a informação está dividida por todos os elementos da comunidade educativa, com informação e linguagem adaptada a cada grupo); Segundo, a Atribuição dos Selos, que valorizam e salientam as boas práticas de saúde mental nas escolas. Criámos uma checklist que identifica aquilo que são as boas práticas, e na qual cada escola deve registar, por tópicos, o que fazem e o que não fazem. Numa segunda parte, as escolas identificam as suas práticas e descrevem-nas. Do nosso lado, o júri faz a avaliação daquilo que considera serem boas práticas das candidaturas, nomeadamente, ao nível da sua eficácia e progressos.
No que diz respeito às candidaturas, poderia dar-nos exemplos de práticas adotadas pelas escolas que lhes podem valer a atribuição do selo?
Salientava primeiramente, a prática mais básica e a mais importante: a definição de políticas e práticas de promoção de saúde psicológica e bem-estar, dentro da escola e o papel do psicólogo nessa definição. Para que os programas resultem é importante que a escola priorize a saúde psicológica e o bem-estar, se isto acontecer, a mensagem transmitida para todos – entenda-se, a comunidade escolar – é que todos estão a trabalhar para esta promoção. É importante que haja uma política escrita das opções disponíveis na escola, prevista no projeto educativo da escola, e que esta seja partilhada com as famílias e integrada no plano de atividades da escola. Este é um dos fatores principais, para que haja um trabalho e esforço coesos, integrados e sistémicos. Valorizamos programas baseados em evidência científica, validados para a população portuguesa, de intervenção para a promoção de competências sociais e emocionais cujo objetivo seja aumentar a resiliência dos alunos, o que, por sua vez, irá permitir que se registem menos problemas comportamentais, menos necessidade de apoio individualizado, melhores resultados escolares e melhores níveis de bem-estar. Se não houver um bem-estar emocional, os alunos não irão conseguir aprender, porque não tem disponibilidade mental e física para fazer este investimento. De seguida, Programas de Prevenção da Violência em contexto escolar. Em terceiro lugar, Programas de Desenvolvimento de Projetos de Vida dos alunos que possam considerar o desenvolvimento vocacional e de carreira, a partir do início de escolaridade e não apenas no 9º ano, de modo que exista uma preparação dos alunos para esta tomada de decisão. De seguida, a recolha de indicadores de todos os elementos da comunidade educativa. Se os professores manifestarem estar em stress e num estado de burnout, não irão estar nas melhores condições para criar um ambiente de ensino-aprendizagem dentro da sala de aula, por isso, é importante haver esta “medição” para que possam ser identificadas as soluções. Com base nestes resultados, podemos prever a criação de programas de desenvolvimento de competências para áreas específicas dirigidas, por exemplo, para professores. Estes são apenas alguns exemplos.
O Selo foi criado antes da pandemia, mas foi depois do seu surgimento que, socialmente se começou a ouvir falar de uma forma mais regular e descomplexada sobre a saúde mental. Neste âmbito, houve também um aumento de inscrições das escolas que se habilitaram a receber o Selo SaudávelMente?
Na última campanha para a atribuição do selo, a Ordem dos Psicólogos entendeu valorizar boas práticas na intervenção em crise, nomeadamente no âmbito da crise pandémica. Estas boas práticas passavam pela forma de acolhimento dos alunos e das famílias aquando do regresso à escola, depois da interrupção das aulas presenciais. A capacidade de adaptação dos alunos à escola e a novas metodologias de ensino, nomeadamente das aulas à distância. As boas práticas de ensino a distância também foram valorizadas, assim como, a capacidade de respostas de emergência em situações com caráter de urgência. Não podemos atribuir o aumento significativo de candidaturas à pandemia, porque na verdade já sentíamos uma evolução de uma edição para a seguinte, contudo, é facto que o estigma relativamente ao apoio psicológico baixou, em todas as faixas etárias. Simultaneamente, triplicou o número de sinalizações dos serviços de psicologia das escolas. Relativamente ao plano de recuperação das aprendizagens, o Governo previu a necessidade de intervenção dos psicólogos e promoveu o reforço da presença destes profissionais logo partir da pandemia, de modo a poderem apoiar os alunos, ao nível da aprendizagem, do comportamento e do bem-estar socioemocional. Este reforço foi feito por via dos programas de desenvolvimento pessoal, social e de desenvolvimento comunitário aos quais todas as escolas tiveram oportunidade de se candidatar. Estes programas possibilitaram a integração de cerca de 500 psicólogos, por ano, durante os últimos três anos.
Falámos há pouco sobre o bem-estar dos jovens e a influência da condição das suas famílias, no seu bem-estar e o respetivo impacto nas aprendizagens. Nesse sentido, o selo contempla práticas que abranjam as famílias?
Sim, em dois níveis: Programas destinados às famílias, que atuam ao nível da literacia em saúde psicológica, em temas como os consumos, a sexualidade, dependência de jogos e redes sociais e a violência. Valorizamos escolas que tenham programas de intervenção e de capacitação dos pais e valorizamos, num segundo nível, escolas que trazem os pais para as tomadas de decisão da escola.
Desde a criação do Selo até ao momento, como classificaria o impacto do mesmo nas escolas que obtiveram esta distinção?
O crescimento do número de candidaturas foi muito elevado e o crescimento do número de candidaturas com atribuição de Selo foi igualmente significativo. O que significa uma melhoria muito significativa na adoção de boas práticas, neste âmbito, nas escolas. Uma vez que eu já fiz parte do júri, consigo fazer uma comparação entre a primeira vez que fiz análise de candidaturas e esta última vez. Constato que a preocupação com o tipo de programas e a forma como estão a ser usados e a procura da avaliação da eficácia dos programas, evoluiu significativamente, para além da diversidade ter aumentado e com ela o número de pessoas envolvidas, que agora é mais abrangente. Assistimos a uma melhoria muito significativa, observamos um nível muito superior de literacia quer por parte dos alunos, quer por parte dos dirigentes das escolas. Fala-se, agora, de uma forma muito mais natural sobre a necessidade de ir ao psicólogo e as pessoas estão muito mais predispostas a trabalhar ao nível da prevenção, evitando assim, a remediação. A força que resulta do interesse das escolas em mostrar as suas boas práticas, permitiu-nos mostrar a importância de direcionar os casos, que carecem de intervenção clínica, para os contextos próprios, deste modo conseguimos agir de uma forma preventiva e promotora.
O Selo quando é atribuído, permanece válido por dois anos. As escolas que conseguem esta distinção, conseguem mais facilmente uma renovação do mesmo ao fim dos dois anos?
Sim, normalmente sim, embora existam nuances. Quando mudam as direções das escolas, mudam por vezes as suas práticas e prioridades e o sucesso e a manutenção das boas práticas advêm muito das lideranças escolares. Na sua maioria, são as mais as que não mudam de liderança, por isso há uma tendência para manter as boas práticas. Aumentamos, porque foi necessário em virtude da necessidade de avaliar as respostas a nível pandémico, a exigência dos nossos critérios e mesmo com este aumento, registamos ainda melhores práticas.
Por último, para as escolas que estão a trabalhar para a obtenção deste Selo pela primeira vez, que conselho lhes pode dar?
Em primeiro lugar que este seja um trabalho de apresentação de candidatura concertado com as direções das escolas e por isso, é importante envolvê-las. Deste modo, estas ficarão muito mais conscientes daquilo que pode ser melhorado e também terão a oportunidade de mostrar aquilo que fazem de bom e não anunciam, porque isto também acontece. Há a necessidade de disseminar as boas-práticas, ou seja, de partilhá-las com outras escolas e, assim, potenciarmos o aumento generalizado destas ações. Deste modo, liberta-se espaço para que possam ser criadas novas soluções para novos problemas, deste modo, é possível inovar.