Portugal continua a ser um país de Escola pública?
Atravessando rotas conturbadas, o barco educacional navega, hoje, por mares agitados, marcados pela carência docente e a instabilidade nas colocações, pelas transformações pós-epidemia e pelos desafios da migração e da tecnologia.
Em entrevista, Filinto Lima, Presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, reflete sobre a Escola pública nacional, onde reside a esperança e a excelência de quem a promove.
“A Escola é um elevador social que se move muito mais devagar”, afirmou, em 2021, no podcast da Mais Educativa. Olhando para o sistema educativo português atual, que aspetos eleva ao pódio?
Há dois anos, persistíamos numa época pandémica, em que, de facto, o elevador social mobilizava-se lentamente, em especial para os estudantes com dificuldades socioeconómicas. Neste momento, o problema é outro: A escassez de professores e o braço de ferro entre os Sindicatos e o Ministério da Educação.
Contudo, a Escola pública portuguesa encontra-se a trilhar o seu caminho, destacando a qualidade, a competência e a experiência dos docentes, e o serviço prestado aos alunos, com necessidades específicas ou com elevadas capacidades de aprendizagem.
Mas, é necessário investir mais nos recursos humanos, no pessoal não docente, no edificado e nas condições de trabalho.
As manifestações de uma camada expressiva de professores, que reivindicam melhores conjunturas laborais, voltaram a palco. Qual é o impacto das greves nas comunidades educativas e no funcionamento curricular?
A luta que se encetou apresenta como epicentro a recuperação dos 6 anos, 6 meses e 23 dias. Porém, considero que nos encontramos a entrar numa banalização do recurso à greve – uma arma poderosa que, sendo conduzida como se tem assistido, perde o efeito.
Na esmagadora maioria, seguramente, as interrupções pouco ou nada têm prejudicado os discentes e o seu processo de estudos. Onde isso não aconteceu, as Escolas adotaram estratégias para ultrapassar o constrangimento.
A exceção aberta para contratar licenciados após o Tratado de Bolonha passou este ano a definitiva. A dignificação da carreira docente constitui um dos eixos principais para uma Escola pública de referência?
Sem dúvida. É evidente que, perante o atual cenário, se o Diploma representar uma solução transitória, devemos aceitá-lo. Não podemos é permitir que, anualmente, se reduzam as habilitações exigidas de acesso à carreira docente, uma vez ser imprescindível que as características de excelência que apresentamos atualmente se mantenham, nomeadamente a formação científica e pedagógica.
Por outro lado, conforme tenho advogado há muito tempo, é urgente que o Governo apoie os professores na deslocação e na estadia, altere a avaliação de desempenho, conceda melhores condições de trabalho, atualize os vencimentos, renegoceie o estatuto da carreira docente, e aproveite a oportunidade concedida pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, para negociar a recuperação do tempo de serviço congelado, estando grande parte dessa responsabilidade sob a alçada do Ministério das Finanças.
O sucesso dos alunos é uma prioridade, que só acontece quando as diversas componentes do ensino público atuam conjuntamente. Que políticas devem ser implementadas para impulsionar um desempenho contínuo e de prosperidade?
Enfatizo, novamente, a importância de não baixar a guarda relativamente às qualificações, aliadas à construção de um ambiente agradável de aprendizagem, que ofereça boas condições, que confie em quem dirige as Escolas e que forneça a autoridade devida aos que lecionam. É necessário, ainda, incrementar práticas que conduzam ao bem-estar docente em contexto escolar, tornando-o mais aprazível também a quem tudo dá à Escola.
Ouvir e dar voz aos estudantes, donos de opiniões assertivas e convicções vincadas, poderá, igualmente, contribuir para o aumento da taxa de sucesso académico.
Valorizar e dignificar a carreira docente, através de um maior investimento na Educação, é algo primordial para alavancar cada vez mais a qualidade reconhecida à Escola Pública.
A organização escolar foi alvo de inúmeras alterações durante a pandemia COVID-19. Que mudanças vieram para ficar?
A verdade é que há males que vêm efetivamente por bem.
As reuniões à distância beneficiaram significativamente o sistema, simbolizando uma modificação extremamente pertinente nas Escolas que a adotaram.
Destaco, ainda, a preocupação constante com a Saúde Mental, que se intensificou, podendo as Escolas contar, pelo menos mais um ano, com mais 1.169 técnicos especializados (Psicólogos, Educadores e Assistentes Sociais, Mediadores…), com o objetivo de proporcionar apoio aos alunos.
Por outro lado, tem-se vindo a registar a chegada em massa de alunos estrangeiros, que não dominam a língua e que manifestam hábitos e costumes distintos, traduzindo-se num enorme desafio ao nível da aprendizagem e da integração.
Manuais digitais… Sim ou não?
Penso que devemos saber dosear as situações e não passar do 8 para o 80, primando sempre pelo equilíbrio e seguindo o percurso de forma paulatina. As experiências estão a ser realizadas em algumas Escolas, mas o modelo híbrido parece-me o mais correto e consensual.
Não me parece que possamos diabolizar o digital, devendo recorrer ao mesmo, sempre que necessário e aconselhado pelo mestre: O professor.
As Escolas não podem ficar atrás do evoluir natural da sociedade, acompanhando-a, através da sensibilização do uso e utilização de um excelente instrumento de trabalho.
Agrada-me, neste momento, o amplo debate nacional, em diferentes fóruns, que está a desenvolver-se no nosso país, com opiniões diferentes, mas relevantes para uma tomada de decisão superior.
Afinal, para onde rumará este barco?
Primeiramente, gostaria que remássemos todos para o mesmo lado, existindo um maior consenso. Temos feito enormes progressos, dos quais nos devemos orgulhar.
Os diretores são os líderes das respetivas comunidades educativas e, juntamente com os professores, os técnicos especializados e superiores, os assistentes técnicos e operacionais, têm diariamente um desempenho extraordinário.
Com mais autonomia e mais confiança, o barco poderá navegar por águas mais calmas e seguir uma rota com menos constrangimentos, enaltecendo o trabalho de fantásticos profissionais.
Desejo, sinceramente, que o futuro da Escola pública despolete felicidade à comunidade educativa e que a motive, deixando, assim, uma última palavra, direcionada ao Ministério da Finanças: Ajude-nos na nossa tarefa.
Estatísticas (2022):
- Alunos matriculados no Ensino público aumentou 1.47%;
- Regista-se 131.133 docentes em exercício no Pré-Escolar, Básico e Secundário público;
- O número de Escolas públicas desceu de 5.587 para 5.540;
- No ranking das melhores médias nos exames, a primeira Instituição de Ensino público surge em 39º lugar.