“Eu sou da Emídio”: O ADN com mais de 60 anos da Escola Emídio Navarro
Um agrupamento de Escolas com um ADN forte, que resiste à passagem do tempo e dos desafios próprios de cada época, assim se apresenta o Agrupamento de Escolas Emídio Navarro que serve cerca de 2800 alunos do concelho de Almada. Vamos conhecer este Agrupamento pela voz do seu diretor, Professor Manuel Gonçalves Além.
“O Agrupamento de Escolas Emídio Navarro é uma instituição de prestação de serviço público educativo à comunidade de Almada que contribui para a formação escolar de crianças e jovens, orientando-os para agirem como cidadãos críticos, participativos e responsáveis, conscientes dos seus deveres e direitos na sociedade.” Como é que a escola transmite estes valores que constituem parte da vossa missão?
A Escola procura transmitir esses valores de várias maneiras. No dia a dia, através do trabalho dos professores, técnicos e assistentes operacionais, tenta-se que sejam transmitidos aos alunos e que os mesmos sejam por eles praticados, diligenciando no sentido de fazer cumprir o regulamento interno e outras diretrizes criadas para facilitar uma convivência harmoniosa entre todos, tarefa que não se revela nada fácil.
Ao nível dos valores de cidadania procuramos que os alunos se envolvam em atividades diversificadas, quer sejam de voluntariado e de promoção de valores de solidariedade ou outros projetos relacionados com temáticas diversas, nomeadamente ao nível da sustentabilidade ambiental, começando no Clube do Ambiente e passando por campanhas como a da parceria com a Refood e tantas outras. No ano letivo passado, foi dinamizado um projeto, por iniciativa de um grupo de alunos, a que se deu o nome de “Roupeiro Solidário”. Com este projeto foi feita uma angariação de roupa e calçado para serem colocados à disposição das famílias que deles necessitassem. Numa das escolas, foi encontrado um espaço próprio para a colocação do vestuário e calçado angariados onde, quem deles precisasse, pôde deslocar-se sem precisar de explicar a situação, evitando qualquer tipo de constrangimento. Foi também promovida uma atividade para recolha de bens alimentares a entregar às famílias mais necessitadas do Agrupamento por altura do Natal de 2022, que foi recebida com muito entusiasmo pelos alunos. Neste sentido foi pedida autorização aos Supermercados Pingo Doce mais perto da escola para que fosse permitida essa recolha junto às suas instalações. Esta angariação de bens alimentares correu tão bem, que foi realizada uma segunda. Toda a comunidade escolar se sentiu motivada e também contribuiu para esta campanha – docentes, não docentes, encarregados de educação, antigos alunos e outros parceiros-. A parte mais difícil foi conseguir convencer as famílias beneficiárias a vir buscar os cabazes com os bens alimentares. Aqui colocou-se o entrave do pudor. Estes valores, como o do respeito pela dignidade de cada um, têm sido muito trabalhados com os alunos.
Numa outra iniciativa ligada à cidadania, foi dinamizada a “Feira das Profissões”. Num dos ginásios da escola foram montados espaços de divulgação de informação, de diálogo e palestras. Foram convidadas pessoas de Instituições do Ensino Superior, de Formação Profissional e das Forças Armadas para estarem presentes no sentido de fazerem a divulgação das instituições que representam. Para além disso tivemos o contributo de alguns dos nossos antigos alunos, profissionais nas mais diversas áreas, que vieram contar aos mais novos as suas experiências. O mesmo se passou com alguns Encarregados de Educação. Tudo isto foi organizado pelos alunos de uma turma de 11.º ano, que por causa desta atividade, ainda participaram num concurso promovido pela Direção Geral da Educação.
Estes são apenas alguns exemplos dos projetos que se desenvolvem neste Agrupamento. Felizmente projetos não faltam nas sete escolas e todos eles procuram desenvolver nos alunos os valores desta instituição.
“O AEEN desenvolve a sua ação e implementa soluções (científicas, humanísticas, técnicas, tecnológicas e artísticas) adaptadas à comunidade que serve, por forma a contribuir para a concretização das suas necessidades, indo ao encontro das suas expectativas.” Num universo cada vez mais competitivo e com estímulos e influências vindos de toda a parte, de que forma se preparam e orientam os alunos para a realidade?
As competências dos nossos alunos desenvolvem-se através das aprendizagens que realizam nas diferentes disciplinas e através do seu envolvimento nas atividades que acontecem nas escolas. Mas, como não só com o que se aprende na Escola ficamos satisfeitos, tentamos proporcionar regularmente um contacto com a realidade do mundo do trabalho e do ensino superior. Para tal, são frequentemente convidados estudantes e professores do ensino superior, investigadores, técnicos especializados, e profissionais das mais diversas áreas, muitos deles ex-alunos, que, através de palestras, conferências, ou workshops, ajudam a desenvolver novas dinâmicas de aprendizagem, através da partilha de conhecimentos. Estas ações têm tido muito impacto, pois os nossos alunos conseguem mais facilmente identificar-se com os exemplos positivos e bem-sucedidos dos ex-alunos, que lhes parecem possíveis alcançar por se tratarem de pessoas reais que frequentaram a mesma escola que eles. Em simultâneo, a ligação ao mundo universitário e profissional, tem também sido feita com as diversas parcerias que se têm estabelecido com algumas instituições de ensino superior e centros de formação profissional. Não podemos esquecer-nos das visitas de estudo, nacionais e internacionais, dos trabalhos de campo, das idas a eventos culturais, das “Aulas Abertas”, entre outras atividades que ligam a Escola à comunidade e à vida.
Ao Agrupamento foi atribuído o Selo de Segurança Digital. Quais as práticas adotadas na escola que valeram esta atribuição?
Têm sido várias as iniciativas nesse sentido, nomeadamente as atividades levadas a cabo no âmbito do Plano de Ação e Desenvolvimento Digital do Agrupamento. No âmbito deste plano, houve uma que teve um impacto bastante positivo na comunidade escolar e que se relacionou com a promoção de literacia digital das famílias dos alunos. Esta iniciativa decorreu em horário pós laboral, num trabalho de iniciativa e implementação por parte dos professores que constituíam a equipa deste Plano. Uma outra iniciativa implementada foi a criação dos Embaixadores Digitais junto dos alunos. Estes alunos, têm a função, em cada turma, de ajudar os colegas e, por vezes, até os próprios professores, na componente digital das aulas. Em paralelo, em termos organizacionais, temos procurado implementar formas de trabalhar sem papel, utilizando um sistema de alojamento da informação numa “cloud”. Mudar práticas antigas não é fácil, mas não podemos ter receio de mudar para melhor, utilizando as ferramentas digitais que estão à nossa disposição. Queremos fazer parte das mudanças digitais e ambientais de que o mundo precisa.
Envolver os pais e/ou famílias no processo educativo é fundamental. Como é que a Escola Emídio Navarro atua junto dos encarregados de educação para os envolver nos desafios escolares e comportamentais dos alunos?
Nesta altura do arranque do ano letivo, estamos a realizar reuniões com as Associações de Pais e Encarregados de Educação das várias escolas para conhecermos mais de perto e com maior pormenor os problemas e dificuldades sentidos por cada uma delas, fazer chegar-lhes as ideias que temos para o Agrupamento e procurar soluções conjuntas. Constatamos que todas as Associações enfrentam dificuldades para conseguir envolver os pais no seu trabalho. Por exemplo, neste momento, não existe uma Associação de Pais e Encarregados de Educação na escola-sede, apesar de todos os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos para que seja constituída. Conseguir envolver os pais, de uma forma positiva e cooperante, nos dias de hoje tem-se revelado uma tarefa muito difícil, quer para nós, Agrupamento, quer para as entidades relacionadas com o associativismo. Sempre que possível procuramos envolvê-los nas atividades que promovemos. É um trabalho de paciência e persistência.
Em termos de projetos escolares, quais são as apostas da Escola para este ano letivo?
Estamos a apostar no desenvolvimento de atividades no âmbito do Plano Cultural do Agrupamento, dos projetos das turmas, e dos vários clubes já existentes, como o Clube do Ambiente e o Clube UNESCO, ou os que foram criados este ano letivo, como o Clube de Fotografia, Clube de Teatro e a Horta Pedagógica.
Muitas destas atividades são realizadas com a parceria e o apoio de várias organizações e instituições, tomando como exemplo a Câmara Municipal de Almada, a Comissão Nacional da UNESCO, o Teatro Municipal de Almada, a Rede de Bibliotecas Escolares ou o Plano Nacional das Artes.
Através de alguns destes projetos procuramos reabilitar espaços comuns das escolas e sensibilizar os alunos para os estimar, no sentido de melhorar as suas condições de convívio e descontração.
Acrescento que, aquando da análise das atividades propostas pelos diferentes grupos disciplinares para o plano anual de atividades, fiquei agradavelmente surpreendido ao verificar que, apesar de atualmente os professores estarem a passar por momentos difíceis nas suas carreiras profissionais, existe ainda um grande envolvimento da sua parte e uma vontade em dinamizar clubes e desenvolver projetos para além do que é o seu trabalho letivo. Tenho orgulho destes meus colegas que, apesar de tudo, ainda têm vontade de se envolver para enriquecer o Agrupamento e os seus alunos.
Existem atualmente projetos ou Gabinetes ativos que atuem no âmbito da saúde mental e do bem-estar?
A saúde mental dos nossos alunos e profissionais é primordial. Sentimos que, principalmente após a pandemia da COVID-19, têm aumentado bastante as necessidades de intervenção. Até ao ano letivo anterior tivemos uma psicóloga clínica que acompanhou os casos identificados. Este ano letivo, para além da intervenção do Núcleo de Saúde, continuamos com o Serviço de Psicologia e Orientação. Para além destas mais valias, no âmbito da intervenção da Educação Especial, são acompanhados cerca de 225 alunos, no universo de mais de 2800 alunos das sete escolas do Agrupamento.
Consideramos que, para além da saúde mental, o bem-estar geral da comunidade educativa é também uma prioridade. Estamos agora em processo de contratação de um técnico de Assistência Social, pois sabemos que a realidade económica, social e cultural é muito heterogénea no concelho de Almada e, consequentemente nas famílias do nosso Agrupamento. As dificuldades que atualmente são vividas por muitas delas afetam significativamente a vida dos nossos alunos e a sua relação com a escola. Se muitos deles provêm de famílias de classe média e classe média alta, por oposição, um número bastante elevado é oriundo de famílias com muitas dificuldades económicas. Temos, por isso, de adequar a intervenção à nossa realidade e não deixar que nenhum aluno seja prejudicado. Por outro lado, recebemos cada vez mais imigrantes que manifestam muitas dificuldades a vários níveis, por exemplo em termos administrativos e burocráticos, já para não falar do obstáculo da língua. Por todas estas razões, sentimos que é preciso também um outro tipo de acompanhamento para além do psicológico, sendo prioritária a intervenção de um Assistente Social.
Num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, de que forma preparam e orientam os alunos para o ensino superior e para o mundo empresarial?
No que diz respeito aos alunos do ensino secundário, principalmente os do 12.º ano, temos a preocupação de orientá-los, criando a ligação com o tecido empresarial e com as universidades, como mencionei na resposta a uma questão anterior. No que diz respeito aos alunos do 9.º ano, procuramos orientá-los nas suas escolhas futuras, proporcionando-lhes um contacto com ex-alunos e encarregados de educação que vêm à escola partilhar as escolhas que fizeram quando tinham a idade deles e como isso influenciou a sua vida no presente.
Quanto aos alunos que frequentam cursos profissionais são promovidos estágios em empresas locais. Com o protocolo estabelecido com a ATEC – Academia de Formação e com a Câmara Municipal de Almada, temos como objetivo alargar, no futuro, o leque de disponibilidade de estágios em outras empresas, permitindo novas oportunidades a estes alunos.
Relativamente aos cursos profissionais como definiria a adesão atual por parte dos alunos a estes cursos?
O facto de enveredarmos, este ano, para a criação do protocolo já mencionado, resultou do facto de observarmos que estes cursos, num futuro muito próximo, corriam o risco de serem extintos na escola Emídio Navarro. Quase todos os professores das áreas técnicas se aposentaram e não tem havido professores e/ ou técnicos disponíveis para os substituírem. Por exemplo, contratar professores ou técnicos das áreas técnicas que precisamos que sejam lecionadas, com as condições contratuais que são oferecidas, tem-se revelado muito difícil. Assim, em parceria com a Câmara Municipal de Almada, conseguimos encontrar uma solução que nos ajude a ultrapassar esta situação, nomeadamente através dos apoios logístico e financeiro fundamentais para a divulgação da oferta formativa e para a aquisição e manutenção de equipamentos.
Muito por causa deste rumo que tomámos, este ano assistimos a uma duplicação do número de alunos inscritos para o 10.º ano.
Esta escola foi criada como Escola Técnica e é esta a imagem que as pessoas têm dela, imagem esta que não queremos que desapareça. De um modo geral, nas escolas de Almada que oferecem Cursos Profissionais, as áreas lecionadas são, à partida, mais apelativas que as nossas que, por serem áreas técnicas, são muito específicas: Eletrónica, Mecânica Automóvel, Eletrotecnia e Manutenção Industrial. Esta realidade acaba por nos acrescentar dificuldades em conseguir alunos e professores. Por exemplo, nesta altura do ano letivo, continuamos a precisar de um professor/ técnico formador da área da eletrotecnia para lecionar três disciplinas a uma turma do 11.º ano e não estamos a conseguir a respetiva colocação.
Em termos de futuro a curto-médio prazo, o que pretendem alterar ou concretizar neste ano letivo?
Temos muitas coisas para fazer. Queremos continuar a melhorar as condições de trabalho e aumentar o conforto e o bem-estar tanto dos alunos, como dos profissionais das escolas. Pretendemos continuar com as obras possíveis de manutenção e beneficiação dos edifícios, que na sua quase totalidade são já bastante antigos. Em termos pedagógicos, temos ainda de concluir o projeto de articulação vertical das aprendizagens entre os diferentes ciclos de ensino, através da elaboração de um Projeto Curricular de Agrupamento. Esta ação é fundamental para o desenvolvimento das competências dos nossos alunos. Por exemplo, a aprendizagem da Geografia não tem início no 3.º ciclo (onde os alunos têm pela primeira vez a disciplina), a aprendizagem desta e de outras disciplinas começa nos primeiros anos do ensino básico.
Como definiria o ADN da Emídio Navarro?
O ADN da Escola Secundária Emídio Navarro é já muito antigo, tem mais de 60 anos. É a primeira escola pública de Almada e está desde a sua génese relacionada com uma componente técnica do ensino, tendo-se mantido sempre como uma escola de referência da cidade. Claro que ao longo de todo este tempo o seu ADN foi sofrendo mutações, mas espero que a sua essência se tenha mantido.
Foi com a criação do Agrupamento de Escolas Emídio Navarro, há dez anos, que se deu a maior mutação, alargando a sua valência e influência, o que veio enriquecer o ADN, juntando outros ADN. Atualmente, o ADN Emídio Navarro é um ADN com um espírito jovem, ativo e interventivo, que se revela inclusivo e com um elevado desempenho nos diferentes domínios em que intervém junto da comunidade.
Com um universo tão vasto e heterogéneo de alunos, quais são as principais dificuldades que enfrentam?
Esse é de facto o grande desafio da atualidade. Nenhuma escola está preparada para receber tantos alunos, de origens tão diferentes, num curto espaço de tempo. Sempre recebemos alunos imigrantes, mas num número muito inferior ao atual. Dispúnhamos de um professor com um determinado número de horas para lecionar Português língua não materna, mas a quantidade atual de alunos estrangeiros obriga-nos a um outro tipo de intervenção. Precisamos de criar atividades para os receber, para os incluir na escola. Estamos a organizar a implementação de várias atividades relacionadas com a cultura portuguesa, porque não faz sentido que, por exemplo, alunos estrangeiros a frequentar o 2.º ciclo tenham aulas de História de Portugal, sem saberem o que é Portugal… E há outras disciplinas, como por exemplo Filosofia ou Físico-Química. São disciplinas impossíveis de aprender sem conhecer a língua do país. Com a publicação, por parte do Ministério da Educação, de uma portaria sobre este assunto, que permite que os alunos estrangeiros recentemente integrados no sistema de ensino português levem mais tempo a concluir os seus estudos, foi-nos possível planificar e implementar um conjunto de atividades que facilite a inclusão destes alunos. Vamos ter de reorganizar a forma de trabalhar da escola e os professores terão um trabalho acrescido, mas são mudanças necessárias. Para aumentar estas dificuldades, debatemo-nos ainda com a falta de colocação de professores em várias disciplinas.
O que gostava que um aluno que saísse da vossa instituição, dissesse sobre o período em que aqui estudou?
Há uma frase que que diz tudo: “Eu sou da Emídio”. Esta frase sempre foi usada pelos alunos que por aqui passaram.
É este sentir de ser “Emídio” que gostaria que acompanhasse os alunos deste Agrupamento, no presente e no futuro: o sentimento de que fizeram os seus percursos escolares acompanhados por colegas que partilham dos valores que lhes transmitimos, fazendo parte de um ADN com mais de 60 anos e sempre dinâmico.