O novo ano letivo já começou e com ele o compromisso da Mais Educativa em dar voz às escolas de norte a sul do país. Desta vez, viajámos até à Pampilhosa da Serra para uma conversa com Marta Gonçalves, diretora do Agrupamento de Escolas Escalada, onde nos falou sobre os projetos e desafios desta escola localizada no interior de Portugal.
ME- Como descreve os valores que a Secundária Escalada pretende transmitir aos seus alunos e como são difundidos?
MG- A Escola Pampilhosa da Serra vai desde o Pré-Escolar ao Secundário, portanto, vamos trabalhando com os alunos desde essa altura e começamos a conhecê-los logo desde muito pequeninos. Não tentamos transmitir estes valores só no Secundário, vamos tentando logo desde cedo. Temos ainda uma particularidade muito boa, por um lado, que é serem poucos alunos e nós conhecemo-los muito bem. Encontramos os alunos no corredor e sabemos que é o João, que é o Manuel, que aquele tem um problema familiar e que precisa de um apoio, sabemos que aquele lá em casa, a nível de alimentação, não está fácil e até vamos ao bar e compramos um suplemento para lhe dar. São poucos alunos e conseguimos dar-lhes isto, uma vez que estamos muito perto deles. Dentro dos valores, a amizade, a lealdade, o companheirismo.
Pretendemos que estes valores sejam transmitidos de nós para eles e também que transmitam uns aos outros, através da aquisição de competências sociais e da participação em iniciativas culturais.

No ano passado fomos a primeira escola no ranking das escolas da região de Coimbra. Para nós, isto é muito importante. Quem está fora não percebe, mas como é uma escola pequena e, por vezes, com um corpo docente instável, sempre existiu o mito de que aqui não se formavam bons alunos. Mas o que tem acontecido é que os alunos têm saído para os cursos superiores que querem e ainda tivemos um aluno nota 20 a matemática. Este ano, estivemos no ranking com o melhor aluno a físico-química, o que para nós é um grande orgulho. Eles, claro, estão de parabéns. Deve-se ao sucesso deles também, mas este sucesso tem a ver com todos, com toda a comunidade. Não como direção, não como professores, não só como alunos, mas também com pais e comunidade.
ME- Quais são os projetos inovadores para este novo ano letivo, quer ao nível do desporto escolar, de competências sociais, iniciativas culturais e ambientais?
MG- Somos poucos, é um Agrupamento pequeno e também temos poucos professores. Por vezes é difícil implementar alguns projetos porque integrar todos, é uma grande sobrecarga para os docentes. Para este ano, ao nível de desporto escolar, vamos fazer uma mudança. Nós tínhamos uma equipa de badminton e com esta proposta, também de Coimbra, vamos passar a ter equipas multidisciplinares, em que o próprio aluno escolhe a atividade que quer desenvolver. Mantemos os 3 grupos de badminton, mas um vai passar a ser mais livre.

No secundário, há uma grande aventura. Como acompanhamos os nossos alunos desde o pré-escolar, quando chegam ao décimo ano temos sempre pena de irem embora, como costumamos dizer são um “pouquinho” nossos. Vem sempre pelo problema de sermos poucos. Temos conseguido sempre abrir o curso uma turma mista de Ciências e Tecnologias e de Línguas e Humanidades, mas acontece que muitos alunos querem uma via profissional. Mas não temos alunos para abrir uma via profissional. Todos os anos tentamos. Então, este ano avançamos para um projeto, um Plano de Inovação, em que criámos uma turma mista de décimo ano com 3 vertentes: Línguas e Humanidades, Ciências e Tecnologias e o profissional. trata-se de curso um Técnico de Informática e Programação. Assim, estes alunos do profissional têm, em conjunto com os outros alunos do décimo ano, português ou inglês, educação física, matemática e físico-química. No profissional só vão ter as áreas científicas específicas tecnológicas, como arquitetura de computadores, sistemas de programação.
Este ano temos uma turma de 21 alunos no décimo ano, há muito tempo que não acontecia. Às vezes chegávamos aos 10/11. Este plano de inovação aprovado no dia 19 de agosto, faz face às necessidades dos alunos e é uma forma de poderem ficar e manter-se connosco.
ME- Pode ler-se no site do Agrupamento “Porque a interioridade não tem de ser sinónimo de desinvestimento, ou mesmo de desigualdade no acesso às oportunidades de sucesso”, de que forma é que a Secundária responde às necessidades de qualificação profissional da região através da oferta formativa?
MG- O interior não pode ser sinal de desinvestimento ou até de desinteresse. Enquanto as escolas grandes estão a lutar por 2030 alunos, eu estou a lutar por um aluno. É um aluno, é uma pessoa e é por ela que tenho que lutar. Quando chegar a altura da abertura do curso profissional, se calhar tenho um ou dois, mas não interessa. É um ou dois que quer ficar e são para eles que tenho que trabalhar. Lá está, não podemos pensar que jogamos da mesma moeda com que jogam numa cidade, sobretudo devido ao número de alunos por turma. Temos que olhar para o interior de uma outra forma, para os cativar, para os manter e para lhes dar as oportunidades. Já estamos a pensar em, para o próximo ano, avançar na mesma linha, mas, para este ano, a forma de fixar os nossos alunos e de lhes dar oportunidades, não os obrigando a sair, foi mesmo através deste plano de inovação. Temos que abrir todas as oportunidades, mesmo estando no interior, e é quase sempre com o objetivo de combater o insucesso escolar. Há alunos que não se identificam com X disciplina e, a partir do momento em que dispõem de uma maior oferta formativa, acabam por sentir maior interesse.
ME- De que forma a escola se mantém atualizada e acompanha as várias inovações pelas quais a Educação tem passado, nomeadamente, com a presença cada vez mais vincada do digital? As aulas serão sempre presencialmente ou vão ter uma abordagem mais digital?
MG- Temos um professor de TIC no nosso Agrupamento, o plano digital com a entrega dos computadores com várias atualizações, quando necessário o próprio professor está disponível. Somos uma Escola TEIP, portanto, utilizamos a última verba que chegou para equipar uma sala nova de informática.
Temos uma valência muito grande que é o Município. Quando foi o estudo em casa, em que era necessário apoiar os alunos em casa, deu-nos um grande apoio através de técnicos de informática.
A pandemia trouxe-nos muito mais a parte digital para dentro das salas de aula. Criámos o Office 365, implementámo-lo no Agrupamento, para que todos passem a utilizar, até mesmo estando presencialmente, os documentos. Muitas atividades que faziam no ensino à distância, mesmo estando no presencial, os alunos continuam a realizar algumas. Por vezes, até certas reuniões e sessões de trabalho, fazem-se no digital.
ME- Finalmente um regresso às aulas com normalidade. Em virtude do período pandémico, de que forma pretende, enquanto diretora, em conjunto com o corpo docente, recuperar o tempo perdido e, consequentemente, as lacunas que podem ter existido?
MG- A nível da pandemia, do digital e das aulas à distância considero que, mesmo assim, correu tudo minimamente bem, com alguns problemas na Internet… Naquele momento houve ali uma quebra – nas aulas- porque no meio onde estamos por vezes há quebras da Internet, mas não houve problema em articular com os alunos. É assim, claro que sempre ficam lacunas. É completamente diferente passar do ensino presencial para um ensino à distância. No ano passado tivemos essa preocupação e este ano continuamos com aqueles alunos que têm mais dificuldades, tentamos reforçar os apoios e contribuições, até fora do horário.
ME- De que forma a Escola estabelece a integração dos seus alunos na comunidade?
MG- Através de vários aspetos. Com os pais estamos sempre recetivos para conversar, fazemos algo que gostam que é ter presença na escola que, aliás, há muito tempo não se fazia devido à pandemia, com a receção em que todos os pais se dirigem ao Agrupamento para que os pais e mães estejam presentes no início das atividades letivas. No final de junho, em articulação com a associação de pais, trabalhamos na Festa de Final de Ano. São formas de concretizar atividades abertas também a toda a comunidade. Em conjunto com o Município, fazemos sempre a receção aos professores, no Salão Nobre deles. Este ano até foi possível fazer um almoço oferecido a todo o pessoal docente e não docente.
Em relação à comunidade, temos turmas que fazem pequenas atividades, por exemplo, vão à Santa Casa passar tempo com idosos. Sempre que solicitamos apoio, quer seja os bombeiros, quer seja a Junta de Freguesia, o Município até ao Centro de Saúde, para realizar algumas atividades e realizar sessões. Por exemplo, os bombeiros disponibilizam-se para lavar o terraço e na altura da pandemia, o Centro de Saúde disponibilizava enfermeiros para realizar os testes aos alunos. Esta parceria é muito importante, estarmos com eles e eles connosco.
ME- Quais são os objetivos traçados para este novo ano letivo que começou há poucas semanas?
MG- Pretendemos que este novo ano letivo seja tranquilo. Primeiro foi a pandemia, depois a adaptação dos alunos ucranianos. A tranquilidade é muito importante, tanto para nós na direção, como para o corpo docente e, no centro, para os próprios alunos. Haver boa relação entre todos é fundamental para potenciar o sucesso escolar. O sucesso de cada um, é o sucesso de todos. É por aí que trabalhamos, para que todos se sintam bem, mesmo longe de casa – como é o caso de alguns professores -, para alcançar o sucesso.