“Uma escola da velha-guarda com olho no futuro” – assim descrevemos a Escola Básica e Secundária (EBS) da Cidadela, em Cascais, que, apesar de já contar com largos anos de história, é uma instituição que tem como missão acompanhar os tempos modernos. Reconhecendo em si “um certo aventureiro” no que toca a conhecer e implementar novas metodologias na sua escola, o diretor José Gonçalves afirma ser este o caminho certo para o sucesso dos alunos.
Um lugar onde inclusão é a palavra mãe e onde há espaço e oportunidades para todos, inclusive para aqueles que de alguma forma se afirmam diferentes, a escola sede do Agrupamento de Escolas da Cidadela conta com mais de mil alunos, 100 docentes e nove anos letivos. E se para muitos a sua gestão é impossível de conceber, para José Gonçalves bastam apenas três ingredientes-chave: motivação, resiliência e uma equipa competente.
Numa entrevista concedida à Mais Educativa, o homem supremo da Escola Básica e Secundária da Cidadela aborda os traços distintivos da instituição, a sua oferta formativa e os projetos de que se faz valer atualmente – deixando sempre claro que o ensino profissional é a bandeira da sua escola e que ali se trabalha para deixar “os velhos paradigmas” onde eles pertencem – ao passado.
O que significa, em termos de valores e cultura, pertencer à Escola Básica e Secundária (EBS) da Cidadela ?
O principal valor que guia a Escola Básica e Secundária da Cidadela é, sobretudo, a inclusão. Consideramo- nos uma escola inclusiva, cuja missão é trazer para o seio da comunidade estudantes que têm problemas de diversa índole – sendo a nossa a única escola do concelho a ter uma unidade de ensino estruturado para alunos do secundário com transtorno do espectro do autismo. A par disto, recebemos (e fazemos questão de integrar) todos os anos vários alunos emigrantes, oriundos de diversos pontos do globo.
Através de variadas iniciativas procuramos chegar a toda a comunidade, contribuindo assim para a redução do abandono escolar na nossa região, que reduziu drasticamente nos últimos anos, e tendo sempre como objetivo final o sucesso dos alunos e a sua formação enquanto pessoas. É este o espírito que se vive e que se tenta transmitir diariamente na nossa escola.
Quais são as apostas da EBS da Cidadela para tornar esta uma escola distinta das demais?
São várias as apostas da nossa escola, no entanto, um aspeto que nos caracteriza e distingue das demais escolas é, sem dúvida, o ensino profissional, que neste momento alberga mais alunos de secundário do que o ensino regular. A nossa oferta contempla dois cursos profissionais: o de multimédia e operações turísticas. Estas são duas áreas que têm muita procura, especialmente a de multimédia, que hoje em dia é essencial no contexto de qualquer organização. Por este motivo, e por estar bastante reconhecido tanto a nível interno como no Ministério, o nosso curso tem muita procura – temos um total de seis turmas. O programa contempla um estágio no final cujo intuito é a integração dos alunos no mercado de trabalho, e muitos têm conseguido fixar-se nas empresas parceiras onde estagiam, inclusivamente na autarquia, que é a primeira a solicitar trabalhos no âmbito dos conteúdos multimédia aos nossos alunos. Já o curso ligado à área do turismo tem tido menos procura, não por não ser igualmente bom, mas por toda a crise que a pandemia causou no setor. A par desta oferta, a EBS da Cidadela tem ainda um curso “pós-secundário” de especialização tecnológica, único a nível nacional.
O ensino profissional é a nossa bandeira! E isto só é possível graças ao trabalho dos professores, dos técnicos especializados que lecionam vários módulos e, claro, da coordenadora Teresa Campos, que é o motor de alavancagem do nosso ensino profissional.
Um projeto físico, único a nível do concelho, é a “Sala da Inovação”, várias vezes chamada “Sala do Futuro”, destinada à modificação das práticas pedagógicas. É um espaço que tem dentro de si vários ambientes constituídos por pufes, palco para teatro, carteiras específicas, monitores e portáteis (…) É, no fundo, um ambiente que serve para potencializar diversas competências e formas de contacto.
Com a nova Legislação de Avaliação Pedagógica, a EBS da Cidadela tem um consultor para ajudar e colaborar nos projetos de avaliação das aprendizagens. Com a colaboração das professoras Ariana Cosme e Daniela Ferreira, estamos a substituir as velhas metodologias por novas: priorizamos agora a avaliação formativa, em que tentamos dar um feedback muito elevado, quer aos alunos, quer aos encarregados de educação.
Um outro projeto, à responsabilidade da professora Mafalda Lapa, é o Gabinete de Integração do Aluno (GuIA), que tem como objeto de atividade a integração dos alunos que vêm das nossas “escolinhas” ou de outras fora do agrupamento. Aqui, pratica-se o coaching através do real acompanhamento e orientação dos alunos, tanto a nível comportamental como de disciplina.
Qual a real importância do Gabinete de Apoio à Saúde? Que impacto tem tido este projeto que pretende promover a educação e a saúde?
O Gabinete de Apoio à Saúde recebe alunos que tenham algum problema e encaminha-os para a entidade de saúde competente – serve como uma espécie de centro de triagem, em que tudo é articulado com a família e encarregados de educação. É um gabinete que se dedica a inúmeras áreas e projetos, incluindo a saúde mental, a dádiva de sangue e a nutrição. Devido à pandemia, o nosso trabalho ficou condicionado (colocaram-se outras prioridades), estando atualmente o gabinete assoberbado com as questões covid-19, do ponto de vista em que está encarregue por todos os registos e contactos com o Serviço Nacional de Saúde e a DGES, à qual tem de fazer vários reportes.
Relativamente à nutrição na nossa escola, neste momento temos diversas ofertas alimentares para os alunos. Existe um “quiosque” físico e em formato de aplicação móvel (app) onde eles podem optar por diversas refeições, de acordo com os seus planos alimentares, objetivos ou até mesmo alergias.
Como é que é feito o acolhimento de alunos estrangeiros? Que medidas, em concreto, têm implementadas para promover a inclusão destes estudantes?
Quem fica encarregue por integrar os alunos estrangeiros é o nosso conjunto de professores especiais, de português língua não-materna, que formam turmas reduzidas de maneira a proporcionarem um ensino mais personalizado a cada aluno. Estas aulas não se limitam ao ensino da língua portuguesa – os professores elaboram guias da escola para orientação e integração dos novos alunos, informam-nos sobre os diversos serviços, traduzem os conteúdos para inglês e, acima de tudo, transmitem-lhes a nossa cultura e as práticas diárias para que se tornem autónomos e independentes. Um desafio que se tem apresentado é o facto de estarem a chegar alunos oriundos do continente asiático que não falam inglês. Neste sentido, temos investido em métodos de transmissão de mensagens através de símbolos e de atividades para que possamos chegar a eles e, apesar de o progresso ser mais lento em comparação aos outros, tem resultado.
De que forma o desporto está presente na vossa escola? Qual a oferta existente? Fazem parte das competições inter-escolas?
O Desporto Escolar faz parte da EBS da Cidadela, a nossa oferta contempla basquetebol, voleibol, vela, surf e futebol. Com a coordenação dos professores de educação física, a escola disponibiliza uma carga horária para inclusão das atividades de desporto no horário dos alunos para que todos os que o pretendam, tenham essa possibilidade. Para além de participarmos em competições inter-escolas, como o corta-mato organizados DGES, promovemos também um corta-mato interno em que participam as escolas do 1o ciclo.
A par da oferta regular, proporcionamos também vela adaptada para os alunos do ensino especial, que também têm parte do seu horário disponibilizado para esta atividade. Eles adoram! E nós, ficamos orgulhosos por trabalharmos sempre no sentido de atenuar diferenças.
De uma forma geral, os alunos aderem bastante ao Desporto Escolar, no entanto, e infelizmente, não conseguimos corresponder a todos porque os grupos são limitados, então a procura é sempre maior que a oferta. Os nossos alunos são muito interessados no desporto, mais para umas modalidades do que para outras – especialmente as atividades marítimas, que são as mais complicadas de praticar isoladamente. O Desporto Escolar é totalmente gratuito: temos vários protocolos, como por exemplo o clube naval de Cascais, e a autarquia arranja parcerias com outras entidades para que os nossos alunos tenham a oportunidade de frequentar gratuitamente as atividades.
Que ferramentas são essenciais passar aos alunos para que estes se tornem pessoas preparadas para o futuro?
A integridade é a ferramenta e o valor essencial a passar aos nossos alunos, assim como a sinceridade, a motivação, o investimento e a resiliência. Estas são ferramentas que são essenciais ao nosso dia-a-dia e a todas as profissões que os alunos possam vir a ter um dia.
Sabemos que o programa Erasmus+ faz parte dos vossos projetos. Como é que funcionam os Erasmus na Escola Básica e Secundária da Cidadela?
Atualmente, o programa Erasmus+ está direcionado aos alunos dos cursos profissionais e têm duração de um mês. Há uma determinada verba, que normalmente permite levar neste programa cerca 15/20 alunos por ano letivo. Procuramos dar esta oportunidade a todos os alunos, especialmente àqueles que nunca foram ao estrangeiro, no entanto, existem critérios de seleção, como saber inglês e os encarregados de educação autorizarem. Teremos ainda este programa para formação de professores em países como Malta, Irlanda e França, durante uma semana.
Como é que surge a presença da Escola Básica e Secundária da Cidade na rede de Clubes Ciência Viva?
Através da divulgação aberta a todas as escolas que queiram participar nos Clubes Ciência Viva, a professora Mafalda Lapa elaborou um projeto para concorrer e ganhou. A partir desse momento, começámos a fazer parte dos Clubes Ciência Viva e desenvolvemos diversos projetos aqui na escola com os alunos, como por exemplo, o “Dia Aberto dos Laboratórios”.
Atualmente, devido ao condicionamento de verbas por parte da organização deste projeto, que é essencial para a aquisição de material para os projetos, este tipo de atividades encontram-se um pouco estagnadas, embora trabalhemos internamente para superar a situação.
Quais são os ingredientes-chave para gerir um agrupamento com mais de mil alunos, em fases tão distintas – e, por isso, com necessidades diferentes?
Uma grande motivação, resiliência e ter uma equipa competente – as pessoas certas nos lugares certos representam três quartos do caminho percorrido.
Temos um desafio enorme a nível nacional que tentamos ultrapassar: o envelhecimento da classe docente. Não há professores jovens a candidatarem-se porque a profissão está mal vista, especialmente no que respeita à falta de atractividade salarial – que leva a que não haja profissionalização de jovens nesta área.
Aqui na EBS da Cidadela não somos exceção, a média de idades dos professores está nos 54 anos (…) E a idade pesa em todos os sentidos, inclusive nos problemas de saúde, que levam às baixas, que por sua vez levam à falta de substituição dos professores e, claro, à realidade de os alunos ficarem sem aulas. É efetivamente uma “bola de neve” – e é aqui que a resiliência é essencial para não me deixar desistir daquele que é o meu propósito enquanto diretor desta instituição.
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