O romance “O Deus das Moscas” é adaptado para o teatro, com espetáculos de 5 de julho e 31 de agosto na Quinta da Ribafria, em Sintra.
Depois de ter estreado em França o espetáculo “Kif-Kif”, em 2018, e de, recentemente, ter criado “Anónimo”, apresentado no Teatro Ibérico, em Lisboa, o teatromosca prepara já um outro espetáculo que mistura uma equipa profissional com um grupo de jovens não profissionais, com idades a partir dos 15 anos.
Este verão, a companhia estreia, na Quinta da Ribafria, em Sintra, “O Deus das Moscas”, produzido pelo teatromosca e promovido pela Fundação Cultursintra, adaptação do romance homónimo de William Golding, com encenação de Pedro Alves e banda sonora original composta por Noiserv.
Inserido num ciclo em que este coletivo teatral se empenha em questionar conceitos como “identidade”, “juventude” e “maioridade”, o trabalho com estes 13 jovens (atrizes, produtores, técnicos, etc.) passa tanto pela criação de um espetáculo de teatro que fará carreira entre 5 de julho e 31 de agosto, às sextas e sábados, às 21h30, como pela formação dos jovens em diferentes áreas relacionadas com as artes performativas.
Ao mesmo tempo, na sala de ensaios, são dinamizadas sessões de reflexão com toda a equipa (profissional e não profissional), procurando discutir temas que, de algum modo, podem estar relacionados com o texto e que devem, igualmente, vir a enformar o espetáculo.
Deste modo, serão debatidas questões prementes como a ascensão de regimes totalitários, o conceito de maioridade e a perda da inocência, as visões conflituantes que podem opor a civilização à selvajaria, a ordem e a lei à anarquia e ao caos, ou que, numa posição mais ampla, tenderiam a opor o bem ao mal.
Por outro lado, este projeto dá ainda continuidade a uma longa pesquisa que a companhia sintrense tem vindo a desenvolver em torno de noções como “adaptação”, “apropriação”, “intertextualidade”, “epicização”, “romancização” e “teatralidade”.
Em “O Deus das Moscas”, há um avião que se despenha numa ilha paradisíaca. Há um grupo de rapazes de colégios britânicos que sobrevive a esse acidente, quando fugia de uma (qualquer) guerra.
Longe da supervisão dos adultos, começam por festejar, brincar, nadar nas águas cristalinas do ilhéu. É nesse ambiente exótico, luxuriante e tropical, conscientemente selvagem e sufocante, que o grupo procura criar bases para a edificação de uma nova sociedade.
Começam por concordar em fazer uma fogueira no topo da montanha, com o objetivo de chamar a atenção de algum navio que possa passar perto da ilha. Mas, à medida que os dias vão passando, sem sinais do mundo exterior, sem salvamento à vista, à medida que o frágil sentido de ordem começa a ruir, os jovens tornam-se tribais e, depois de o corpo de um piloto cair de paraquedas na ilha, as suas inquietações ganham contornos sinistros e bárbaros.
O mundo paradisíaco das brincadeiras, dos livros de aventuras, acaba por dar lugar a um cenário assustador, a puerilidade dissolve-se na água do mar e os medos correm à solta, embrenhando-se na densa floresta tropical.
Publicado em 1954, “O Deus das Moscas” é um dos romances essenciais da literatura mundial e pode ser visto como uma alegoria, uma parábola, um tratado político ou até mesmo uma visão apocalíptica da fragilidade humana.
Ao narrar a estória deste grupo de rapazes (na versão original do texto e que aqui será representada por um elenco exclusivamente feminino) perdidos numa ilha deserta que, aos poucos, vai mergulhando em episódios cada vez mais violentos, o escritor britânico constrói uma estória entusiasmante, ao mesmo tempo que desenha uma complexa reflexão sobre a natureza do mal e a ténue linha que poderá distinguir a civilização da barbárie.