Alimentar um relacionamento amoroso através da internet é aliciante e entusiasmante, mas pode correr muito mal se não tiveres ‘cabecinha’. A Mais Educativa e o Centro Internet Segura juntaram-se para te explicar tudo sobre a arte do sexting e os cuidados que deves ter para que possas proteger a tua intimidade.
A internet é uma coisa incrível, e quem disser o contrário está a mentir, ou não percebe mesmo nada do assunto. Ela permite-te estares a par do que se passa no mundo e manter o contacto a qualquer hora com as tuas pessoas, e também torna muito fácil o desejo de conheceres gente nova. Não há outra ferramenta no mundo com tantos poderes.
Infelizmente, tal como os vilões os usam para praticar o mal, também há quem olhe para a internet como o veículo ideal para enganar e/ou roubar. Burlas, roubo de dados, invasão da privacidade, devassa da vida privada, entre outros, são ataques aos quais te sujeitas quando estás online, e acredita quando te dizemos: todo o cuidado é pouco. E não, não acontece só aos outros.
Com o Dia dos Namorados mesmo aí à porta, encontrámos um bom pretexto para te falar de relações online. Não nos vais ler palavras de desencorajamento, porque vamos lá a ser sinceros: são entusiasmantes e fazem-te sentir vivo! Mas quando expões a tua intimidade, tens de o saber fazer com moderação e inteligência, caso contrário podes meter-te num sarilho daqueles.
As novas tecnologias deram origem a novas formas de relacionamentos e à exploração da sexualidade, nomeadamente através de chats e das redes sociais. É muito fácil, hoje em dia, contactares com um estranho, e está tudo à distância de um clique.
Ao criares um relacionamento online – ou ao alimentares online um relacionamento de carne e osso – entras automática e inevitavelmente em contacto com uma série de riscos, sobretudo quando entra em cena o sexting.
Contactámos, por isso, a entidade que em Portugal mais sabe sobre segurança na internet. Chama-se Centro Internet Segura em Portugal – cis.pt – é um serviço público gratuito sediado no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e quer ajudar-te a desenvolver uma cultura de uso consciente da internet, dando-te ferramentas e conhecimentos para incorreres em menos riscos quando estás online, oferecendo-te instrumentos para denunciares conteúdos ilegais e fornecendo-te todos os mecanismos para que sejas um verdadeiro cidadão digital, contribuindo para tornar este ecossistema num lugar mais seguro para todos nós.
Para os profissionais do Centro Internet Segura (CIS), o sexting é tudo menos um comportamento estranho. Aliás, a curiosidade de ver uma pessoa nua é não só natural, como está espelhada na História – sabias que algumas das primeiras representações sexuais remontam ao período do Paleolítico?
Estas representações começaram por ser desenhos, evoluíram para esculturas e agora, alguns milénios depois, são fotografias e vídeos. E com a massificação das tecnologias, a criação e a partilha destes conteúdos é uma tarefa rápida e simples.
Entende-se como sexting toda a partilha de conteúdos sexuais através da internet, independentemente do dispositivo, plataforma ou formato que estiveres a usar. É uma prática relativamente comum tanto entre os adolescentes como entre os jovens adultos.
Porque o fazes
São vários os estudos que demonstram que não estás a fazer nada de anormal. Os Arquivos de Medicina Pediátrica na Universidade do Texas revelaram que cerca de 28% dos adolescentes afirmou ter enviado sexts, e uma sondagem realizada pela National Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregnancy revelou que, num universo de 1280 jovens, 20% dos que estão na faixa etária dos 13 aos 19 anos já tinham utilizado o telemóvel para captar e enviar conteúdos de cariz sexual.
Já na Europa, em 2014, pelo menos 15% dos jovens europeus entre os 11 e 16 anos receberam sexts, e destes, 3% afirmaram ter enviado/publicado conteúdos de cariz sexual.
Mas afinal o que te leva a explorar as relações – e o sexo – através de um ecrã? De acordo com a experiência de observação do Centro Internet Segura, podem ser várias as tuas motivações:
– Demonstrares audácia ao exibires o teu corpo;
– Dares uma prova de confiança e/ou de amor ao/à namorad@ ou até a um@ amig@ (neste caso, o que fazes passa a chamar-se de frexting, mas a prática é a mesma);
– Responderes a uma solicitação ou pressão exercida por uma pessoa ou por um grupo (neste caso, trata-se de uma extorsão ou chantagem sexual, também conhecida por sextortion);
– Enviares conteúdos que envolvem terceiros.
Com esta prática, estás basicamente a confiar a tua intimidade aos outros. E quando corre mal, os conteúdos que partilhaste com uma pessoa acabam por chegar a muitas mais. À partilha que ocorre sem o teu consentimento, e que tem por objetivo humilhar-te e/ou causar-te sofrimento, chama-se revenge porn.
Estes casos são classificados como uma forma de assédio grave e um tipo de violência doméstica. São também relativamente comuns no final de uma relação, em que um dos parceiros decide punir o outro.
É por isso que, tal como os cuidados no sexo na vida real são essenciais, também o são aqueles que deves ter nas práticas online.
Tal como no sexo na vida real, a abstinência é a única forma de teres a certeza que estás seguro a 100%. Mas como sabemos que, provavelmente, não é nada disso que vais fazer, perguntámos aos especialistas ao que deves ter especial atenção para que estejas na máxima segurança possível.
Para começar, precisas de entender o que a legislação portuguesa estabelece relativamente a esta prática. O sexting pode ser classificado como devassa da vida privada, extorsão, ou – no caso de envolver jovens com menos de 18 anos – abuso sexual de menores. Crimes associados a conteúdos online de abuso sexual de menores estão contemplados no Código Penal, prevendo penas de prisão que vão de um a cinco anos, em caso de produção, distribuição, venda ou cedência destes conteúdos.
Depois, é muito importante que tenhas presente que o sexting pode destruir a tua reputação online, e também a tua reputação social. Se alguém decidir difundir uma fotografia ou vídeo teu que sejam comprometedores, nunca vais conseguir controlar a quantas pessoas pode chegar, e quantas delas vão descarregar, partilhar, comentar, fazer tag, etc. E mesmo quando passarem vários anos, não há forma de impedir que um conteúdo que julgavas esquecido possa reaparecer na internet.
Se estás a pensar seguir uma carreira relacionada com política, desporto, representação, relações públicas ou outras áreas de elevada projeção social, tem ainda mais cuidado, porque a verdade é que se alguém tiver acesso a estes conteúdos, a imprensa vai explorar o tema, enquanto houver interessados. Nestes casos, o melhor é não negares e evitares fazer mais declarações sobre o assunto. Quanto mais tentares justificar, mais atenção e mediatismo vais chamar.
Se mesmo assim quiseres arriscar, há vários cuidados práticos que deves tomar, e que devem ser trabalhados por ti e pel@ parceir@ com quem vais partilhar esses conteúdos: – Se o teu parceiro está a fazer pressão e tu não te sentes confortável, não cedas. É muito fácil deixares-te ir pela promessa “eu prometo que não mostro a ninguém”, mas infelizmente, a pessoa em quem confias hoje pode não merecer a tua confiança amanhã. Se tens alguma dúvida sobre o teu parceiro, mesmo que estejas num relacionamento sério, pensa muito bem no que vais enviar;
– Fala sobre os cuidados de segurança com o teu parceiro. Pode parecer ridículo, mas quando envias conteúdos explícitos para uma pessoa, não estás apenas a confiar nela. Estás a confiar nos seus hábitos de segurança. Se estamos a falar de conteúdos íntimos e com este tipo de impacto, é extremamente importante que haja um grande cuidado por parte de ambos;
– Esclarece tudo com el@. A grande maioria das pessoas pensa que se enviar uma mensagem privada de cariz sexual, ela irá continuar privada. No entanto, não deixar esta ideia clara e explícita antes da troca de conteúdos, ou dar abertura a outras interpretações, aumenta o risco de várias pessoas terem acesso ao que quiseste partilhar com uma só;
– Nunca envies conteúdos eróticos a uma pessoa com a qual não tens intimidade, e que não tenha mostrado vontade de os receber. Esta abordagem não atrai a atenção do outro e, caso não haja uma vontade recíproca, el@ pode afastar-se e até, em casos mais graves, partilhar o conteúdo ou apresentar uma queixa por assédio;
– Não tenhas este tipo de interações depois de consumires álcool. Este estado temporário pode deixar-te mais desinibido ou corajoso, mas aumenta o risco de enviares conteúdos por engano a outros destinatários, ou de te arrependeres posteriormente.
– Sempre que puderes, opta pelo envio de uma foto não-explícita. Esta alternativa pode causar-te menos problemas no futuro, em comparação ao envio de um conteúdo sexual explícito;
– Assegura que ninguém te vai conseguir identificar. Para além de não revelares a cara, assegura que tatuagens, marcas de nascença ou outras caraterísticas que possam distinguir-te não são visíveis na fotografia ou vídeo. Tem igual cuidado ao sítio onde estás a captar este conteúdo, porque pode ser reconhecido por alguém e usado para te identificar;
– Não optes por desfocar o rosto. Corta a foto ou coloca um quadrado gigante sobre a tua cara e elimina a foto original. Existem softwares que permitem fazer engenharia reversa a técnicas de desfocagem, como o Gaussian Blur;
– Utiliza a técnica da miniatura preta. Ao gravares um vídeo, deixa o dedo sobre a lente da câmara durante 2 ou 3 segundos. Na maioria dos dispositivos, isto dará origem a um ficheiro, guardado na galeria, cuja miniatura é um quadrado preto. Esta miniatura não chama tanto a atenção como uma imagem mais reveladora;
– Cuidado com os metadados do ficheiro. Mesmo que ninguém consiga identificar-te na fotografia, podem existir formas de alguém conseguir descobrir que foste tu a tirá-la. Muitas vezes, estes ficheiros contêm um conjunto de informações embutidas, como a geolocalização e a descrição do dispositivo que captou a imagem. Existem ainda alguns bugs comuns nos editores de fotografia que, ao finalizarem estas alterações, inserem a imagem original como a miniatura do ficheiro. A solução é utilizar aplicações que permitam a remoção de informação “EXIF”;
– Cuidado ao utilizares serviços como o Messenger, Hangouts, Skype, entre outros. Em todos eles, o histórico é replicado em todos os locais onde a conta está instalada, o que significa que mesmo que estejas a enviar algo do teu telemóvel, podes estar a “exibir” os conteúdos através da sessão ativa no computador da sala, por exemplo;
– Não envies este tipo de conteúdos através de redes abertas ou partilhadas entre várias pessoas. Existem formas de intercetar dados transmitidos por wi-fi. Em alternativa, utiliza os dados móveis;
– Se não estás a eliminar estes conteúdos, é importante que uses software para os ocultares. No caso dos telemóveis existem aplicações vault, que bloqueiam ficheiros com uma palavra-passe e impedem que estes ficheiros apareçam nas galerias;
– Se não queres deixar pistas, não te esqueças dos históricos de conversações. Desativa o registo de histórico ou, caso tal não seja opção, apaga a conversa no final;
– Não assumas que estás protegido por utilizares aplicações como o Snapchat ou as Conversas Secretas do Messenger. Existem mecanismos digitais (captura de ecrã) e analógicos (filmar o dispositivo no momento em que recebe as mensagens) para obter os conteúdos que estão a ser enviados. Além disso estas informações podem ser armazenadas temporariamente em servidores, que podem ser vítimas de ciberataques e roubo de dados.
Quando alguém possui conteúdos feitos por ti, podes exigir-lhe que os apague, informando que o não cumprimento deste pedido pode ser punido ao abrigo do art.º 192 do Código Penal – referente à devassa da vida privada. Ainda ao abrigo dos direitos de autor e imagem, a foto não pode ser difundida sem a autorização do próprio ou, no caso de um menor, sem a autorização de um responsável legal. Estas leis impõem que websites e plataformas online removam conteúdos alojados sem o teu consentimento.
Apesar disso, existem situações em que o conteúdo se espalha de tal forma que é impossível removê-lo na sua totalidade. Neste caso, é importante “enterrar” as informações menos positivas, inundando a internet de conteúdos positivos a teu respeito. Podes solicitar aos motores de busca – com base no direito ao esquecimento – que determinadas informações sobre ti sejam ocultadas.
Para além disso deves participar em fóruns, criar um blogue, fazer novos perfis de redes sociais e ir criando uma pegada digital positiva.
Faças o que fizeres, não te esqueças – a Internet nunca se esquece do que lá vai parar!
Precisas de ajuda? Há duas linhas para te apoiar
Estás a ser alvo de cyberbullying? Sentes que há qualquer coisa de errado do outro lado da janela de chat? O Centro Internet Segura disponibiliza-te, entre outros serviços, duas linhas operacionais:
– A Linha Internet Segura, que te esclarece sobre o uso das tecnologias online, ao mesmo tempo que garante apoio anónimo e confidencial. Aqui podes falar sobre todos os assuntos relativos à utilização da net, incluindo problemas como o sexting, o phishing, o roubo de identidade e o cyberbullying, entre outros.
Funciona nos dias úteis, das 9h30 às 12h30, e das 13h30 às 17h30. O número é o 800 21 90 90 e é gratuito;
– A Linha Alerta, que tem a missão de bloquear conteúdos ilegais na internet, e perseguir e acusar criminalmente quem publica este tipo de conteúdos. Podes denunciar ilegalidades como a exploração online de abuso sexual de menores, a apologia à violência e a apologia ao racismo.
As denúncias podem ser feitas a qualquer momento, de forma rápida e anónima, através do envio do URL onde se encontra o conteúdo ilegal no formulário disponível em linhaalerta.internetsegura.pt.
[Texto: Tiago Belim e Centro Internet Segura]
Esta reportagem faz parte da edição de janeiro/fevereiro da revista Mais Educativa. Para leres mais, clica aqui!