Entrevista | Marcella Cavalcanti: Uma viagem pelo mundo da Engenharia Robótica
Vencendo a medalha de ouro — na prova de “Manipuladores Robóticos Industriais” do Festival Nacional de Robótica —, a equipa de estudantes ganha palco.
Marcella Cavalcanti, membro e “capitã”, revela — em entrevista — uma jornada de “Mérito Excelência” — composta por uma Licenciatura na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no Brasil, um Mestrado no Instituto Politécnico de Leiria (IPL), em Portugal, e um Doutoramento na Technological University of the Shannon (TUS), na Irlanda.
O que é que a levou a escolher a área de Engenharia Mecatrónica?
Uma vez que — sempre — gostei muito de Física e Matemática, determinei que a Engenharia era o caminho.
Quando ingressei na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde frequentei um curso superior de primeiro ciclo em Ciências e Tecnologia, tive a oportunidade de participar em alguns eventos, que me mostravam as diferenças — entre as Engenharias —, levando-me a escolher a Mecatrónica — voltada para a Robótica.
Como é que foi a experiência na Faculdade?
No Brasil, as Universidades são muito teóricas. Não sei se é uma questão cultural ou regional, visto ter vindo de uma cidade que é mais turística. Talvez em São Paulo seja diferente, mas a minha experiência foi assim, muita teoria e pouca prática.
Quando terminou os estudos, começou a trabalhar como professora na Robô Ciência. Que obstáculos se colocaram?
Foi um desafio grande. Eu sempre gostei muito de ensinar. No final do curso eu já sabia que queria ser professora da universidade. Mas tem um caminho muito grande pela frente, tem que fazer um mestrado, um doutorado. Acabei por ir trabalhar assim que saí da universidade. Fui para a Robo Ciência. O grande desafio foi ensinar para crianças tão pequenas, coisas tão complexas. Temos que ter mais paciência. Mas eles são muito rápidos em pegar as coisas. Usávamos kits educacionais da Lego. A equipe era multidisciplinar, tanto da pedagogia quanto da tecnologia. Todos juntos trabalhávamos para criar projetos adequados para as idades, interessantes e que conseguissem passar os conceitos. Essa questão da interdisciplinaridade foi uma coisa muito valiosa. A cabeça mais de Engenharia às vezes não pensa nas outras coisas. Isso me ajudou a ir mais para o ensino. Eles aprendiam enquanto se divertiam. Montavam o projeto, tinham motores, sensores, viam como as coisas funcionavam. Conseguimos ensinar conceitos abstratos de forma prática.
Em 2020, ingressou no Mestrado no Instituto Politécnico de Leiria. Como surgiu a oportunidade?
Eu sempre quis dar aula na Universidade. Passei dois anos na Robô Ciência, mas pensei: tenho que fazer um mestrado. Estava procurando na minha universidade, mas não existia bolsa. Então comecei a procurar fora do país. Eu tinha dois colegas da Robô Ciência que já tinham ido para o Politécnico de Leiria (IPL). Comecei a pesquisar Portugal, porque é mais fácil de emigrar. Olhei o currículo de mestrado em Engenharia Eletrotécnica, achei interessante. Tinha a parte Elétrica, que não era muito minha área, mas também Robótica e Visão Computacional, que me interessavam mais. Optei por ir para o IPL, muito por já conhecer pessoas lá.

O que achou do Mestrado?
O Mestrado foi interessante, mas meio estranho por causa da pandemia. Tínhamos aulas presenciais e depois online. No IPL, o ensino é muito mais prático, que era o que eu sentia mais falta. Os laboratórios também são melhores. Tive a oportunidade de ter uma Bolsa de Investigação. Consegui aplicar e entrei num projeto de Investigação, algo que não fiz no Brasil.
Que projeto?
O “S4Plast” (Sustainable Plastics Advanced Solutions) era um projeto da indústria dos moldes do plástico. Era um grande projeto com vários parceiros. As minhas tarefas eram sobre digitalização dos processos de chão de fábrica ou digital twin. Fui responsável por criar um modelo digital de todo o processo. No final, tinha uma simulação com a representação de tudo no ambiente virtual, com comunicação igual à da realidade. Uma cópia digital do processo real.
Depois do Mestrado, iniciou um Doutoramento — na Irlanda. Como surgiu essa oportunidade?
Sempre quis seguir esse caminho. Os meus orientadores de Mestrado já tinham contato com um orientador na Irlanda. Foi só me perguntarem se eu queria. O IPL e a TUS (Technological University of the Shannon) conseguiram um projeto com manipuladores robóticos para impressão 3D. Gostei do tema, gostei dos moldes do Doutoramento e agarrei a oportunidade. Tenho uma Bolsa da FCT que é mista, então tenho que passar tempos aqui (na Irlanda) e em Portugal. É interessante ver a diferença de cultura, estrutura e pessoas. Tem sido uma experiência valiosa.
Recentemente, venceu o prémio “Melhor Artigo” — no ICARSC — e conquistou o primeiro lugar na prova de “Manipuladores Robóticos Industriais” — no Festival Nacional de Robótica. De que forma descreve a participação?
Foi uma surpresa ter ganho o “Best Paper Award”. É bom ter o trabalho reconhecido, especialmente no início do Doutoramento. Ajuda a seguir e a motivar. Em Leiria, participamos na competição desde 2021. Aparecem outras pessoas na equipa, mas eu estou sempre. Já sou praticamente a capitã [risos]. Todos os anos temos um desafio diferente. É muito valioso resolver um problema num tempo tão curto. Aprendemos bastante.
A construção de uma carreira — dominada por homens — acarreta desafios adicionais?
Eu nunca sofri nenhum preconceito. Talvez eu tenha sorte. Sempre trabalhei com muito mais homens do que mulheres. Mas nunca tive dificuldade com isso. Sempre me dei muito bem com os colegas. É claro que seria melhor ter mais mulheres. Talvez seja uma questão de interesse. Mas se for uma questão de receio, eu diria que não deveriam ter receio de entrar numa área dominada por homens. Nós conseguimos nos destacar da mesma forma.
Que melhorias sugere para o setor?
O ensino tem que estar mais perto do mercado de trabalho. Às vezes parece que não conversam. O ensino está de um lado e o mercado quer outra coisa. A pessoa sai da Universidade sem saber o que fazer. Tem que haver mais conversa e alinhamento. A Academia se preocupa com Investigação, com coisas que ainda não existem. Mas também tem que prestar atenção ao que a indústria quer. A maioria dos alunos vai para o mercado, então é importante olhar para os dois lados: inovação e necessidade.
Um conselho?
Sejam curiosos. Às vezes, na Universidade temos muitos trabalhos, nos esgotamos e não nos interessamos por mais nada. Mas é muito importante, pelo menos na Engenharia, estar a par do que está acontecendo fora das cadeiras. Curiosidade, proatividade, procurar inovações. Às vezes, a Academia está mais engessada. Precisamos de ter uma mentalidade mais voltada para o mercado. Desenvolver habilidades por conta própria, seja pessoal, seja profissional. Não pensar só em acabar o curso. A nossa área é muito mais do que aquilo que aprendemos.
