Entrevista | Bruna Fernandes: Do escritório de Contabilidade ao estrelato nas Redes Sociais
Com um livro lançado, 138 mil seguidores no Instagram e um website, onde vende cursos e formações, o impacto d’A Contabilista — no universo dos números — é impossível de ignorar.
Bruna Fernandes, Licenciada em Contabilidade e Administração pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP), revela — em entrevista — um percurso de “Mérito e Excelência”, enumerando desafios e conquistas — a perder de vista.
Que área escolheu no 10º ano? Já tinha ideia do que queria fazer após acabar o Ensino Secundário?
Escolhi Ciências Socioeconómicas. Gostava de Economia, mas não sabia que curso queria. Só comecei a pensar nisso no último ano. Até estava mais voltada para a Gestão, uma coisa mais abrangente. Os meus pais são feirantes. Sempre estive envolvida nos negócios: lidar com o dinheiro, saber poupar, saber investir. Portanto, foi natural esta parte de querer ir para uma área ligada mais a negócio. Gostava também de Matemática, apesar de não ter tido notas incríveis. Também gosto muito da parte das artes e de história, mas acabei por escolher Economia.
O que é que a levou a escolher Contabilidade?
Descobri no ISCAP o curso de Contabilidade, que era público e no Porto. Gostei bastante do curso, apesar de nunca ter tido nenhuma experiência em Contabilidade. O primeiro semestre foi um desafio porque eu não tinha bases nenhumas, nem sabia o débito e o crédito, mas depois de entrar no ritmo, gostei bastante.
Como foi a sua experiência na Faculdade?
Tinha muitas cadeiras. Por acaso, nunca reprovei nenhuma. Só no terceiro ano é que todo o curso começou a fazer sentido. Nós não fazíamos estágios em empresas. Em vez disso, durante um ano, tínhamos a cadeira de simulação, que é como trabalhar numa empresa fictícia na Faculdade. Foi aí que realmente começou a interligar tudo. Tínhamos muitos testes ao sábado, que já nos iam habituando ao dia a dia de um Contabilista. Também fiz parte da praxe. Ajudou-me a ter prioridades bem definidas e a organizar a agenda para conseguir ter tempo para tudo.
A conciliação — entre o estudo e o trabalho — manifesta ser um desafio. De que forma malabarizou os dois universos?
Foi complicado. Tiro o chapéu a quem estuda e trabalha. Além do trabalho, eu também tinha um negócio meu em que ia para a feira. A pior rotina era o trânsito. Era muito chato. As aulas eram 4 vezes por semana. Acabava por nem sempre ir às aulas do final do dia para poder jantar. Uma cadeira que adorei foi Direito Fiscal Internacional. Infelizmente, acabei por não fazer a tese, mas escrevi um livro.
Como surgiu a ideia de criar “A Contabilista”?
Nos primeiros anos, eu estava desmotivada. Até queria deixar de trabalhar em Contabilidade. A mudança de trabalho ajudou muito. Passei a trabalhar ao lado de casa. Também estávamos em pandemia, e começou o teletrabalho. Passei a ter bastante tempo livre. Eu já tinha uma rede social de outra área, era Personal Organizer. Quando disse que era contabilista, comecei a ter muitas perguntas. Percebi que havia uma grande lacuna no mercado. As pessoas não conseguiam encontrar um serviço para tirar dúvidas e sair esclarecidos. Havia uma grande procura. As pessoas começaram a dizer que a forma como eu explicava, fazia-se luz nas cabeças delas. Foi daí que veio o sucesso da página.
Quais foram os maiores desafios?
Lidar com o crescimento acentuado. Ter de deixar o meu trabalho por conta de outrem e ficar a full time. Na altura eu estava a comprar casa, e os bancos gostam muito mais de um contrato de trabalho. Não pude despedir-me logo. Foi difícil gerir as duas coisas. Já não fazia sentido estar a trabalhar para outros, quando o meu negócio já era suficientemente rentável. Contratar pessoas foi também das partes mais desafiantes. Já não é só garantir que as coisas funcionam para mim, mas também para que a empresa funcione como um todo.
Como foi receber o prémio alumni?
Foi o primeiro prémio que eu recebi. Estávamos em fase de pandemia. Foi no ISCAP, a primeira vez que eu subi ao palco para ter que falar para várias pessoas. Estava muito nervosa, mas foi muito gratificante. A minha mãe só me disse no final: “eu não sabia que tu falavas tão bem”. Foi muito giro também esse feedback dela.
A que se deve o seu sucesso?
Acho que o sucesso é a consistência. Estou sempre, quase todos os dias, a responder a alguém nas redes sociais. Hoje em dia, também já é muito também da minha equipa. Temos um curso para sair, focado mais em técnicos de contabilidade. Estamos também a criar uma coisa interessante com inteligência artificial, deve ficar finalizada no verão. Vou ter também um reconhecimento muito grande este ano. Vou fazer a reedição do livro. Focar naquilo que já temos vindo a fazer e melhorar sempre. Não gosto de andar a inventar a roda. Para início de 2026, teria aqui um evento para contabilistas. É algo que quero fazer.
Nos últimos anos, temos assistido a um crescimento do número de finfluencers, onde a CMVM alerta que — muitas vezes — há falta de qualificações e que os consumidores deverão suspeitar — sempre — de promessas exageradas. Qual é a sua opinião?
Não acho que os finluencers sejam negativos. Um dos grandes problemas que nós temos na sociedade é a incapacidade de saber ler e interpretar. Ainda estamos muito atrás de outros países. É preciso cada vez mais conteúdo a ser transmitido. Se a cada cinco conteúdos, um for de finanças, cada vez teremos mais pessoas a fazer investimentos. Quando a esmola é muita, o pobre desconfia sempre. Já somos adultos. Antes de investirem, se calhar deveriam ter se informado melhor. As pessoas não têm que acreditar naquilo que eu digo. Podem ouvir duas, três, quatro pessoas. Ninguém tem uma verdade universal. Também dizem que se tem que ter cuidado com o contabilista. Obviamente que sim, há bons e maus. Vai haver erros porque somos humanos. E mesmo a inteligência artificial também erra. Vamos ignorar o 90% positivo e focar nos 10% negativos? Isso nunca faz sentido.
O recente estudo da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu conclui que “o nível de literacia financeira dos estudantes portugueses, particularmente dos universitários do primeiro ano, continua a ser uma preocupação”, uma vez que “demonstram lacunas significativas em conceitos essenciais de finanças pessoais”. De que forma tem ajudado?
A parte das poupanças devia ser ensinada desde cedo. Devíamos ter mais disciplinas do dia a dia. Até para ter uma casa, geralmente têm que fazer um empréstimo. Fica tudo consolidado nisto que é ser adulto. Não faz sentido estarem a ensinar a fazer o IRS. Aconselho aos pais a fazer com os filhos em casa. É mais importante explicar como é que é aplicado o dinheiro. Na minha página, tento trazer um bocadinho de luz ao nível dos impostos. Mas as pessoas têm de proactivamente procurar essa informação. As pessoas deviam querer saber quanto é que é retirado ao seu rendimento. Se é muito, se é pouco. O IRS faz-se no dia a dia. Quando têm um negócio também têm que saber exatamente quantos impostos estão a pagar. Não dá para dizer que eu não gosto disto. Impostos a pessoa tem que entender o mínimo para tomar boas decisões no dia a dia.
Que conselhos gostaria de dar aos estudantes, que ambicionam entrar na área?
Só venham! A área da Contabilidade é incrível, uma vez que — se formos desenrascados e proativos — existirão múltiplas saídas.
O nosso trabalho nunca é igual, sendo uma área que ainda continua com extrema procura e os salários são cada vez mais altos.
