Entrevista | José Luís Presa, Presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais
O modelo profissionalizante tem ganho destaque no seio do paradigma educacional, oferecendo uma formação sólida e direcionada ao universo empresarial.
Contudo, José Luís Presa, Presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO), mediante as tendências e transformações que têm vindo a ocorrer no setor, confessa, em entrevista, ser inadiável a potencialização do Ensino Profissional, alinhando-o com as exigências do tecido económico e social.
O Ensino Profissional é, afinal, uma escolha com futuro ou uma opção de segunda linha?
Nos países mais avançados da União Europeia e da OCDE, o Ensino Profissional é uma primeira escolha, sendo, assim, entendida pelos jovens, pelas famílias e pelas empresas. Infelizmente, em Portugal e nos países do sul da Europa, que são os menos desenvolvidos, assistimos a discursos que desconsideram os cursos profissionalizantes.
Os Serviços de Psicologia e Orientação não cumprem o seu papel e, em vez de apurarem as tendências vocacionais dos alunos para poderem fazer uma orientação vocacional correta, limitam-se a funcionar, em muitos casos, como correias de transmissão das direções das Escolas não desempenhando cabalmente a sua missão. Basta analisar as Instituições de Ensino e verificar a inexistência de uma distribuição equilibrada dos estudantes entre os diferentes caminhos disponíveis no Ensino Secundário, assistindo-se a um maior pendor para os cursos científico-humanísticos.
“Os planos curriculares dos nossos cursos são muito elogiados e considerados dos melhores modelos a nível europeu.”
Que competências conquista um jovem durante a formação e quais os rumos de que dispõe após a sua conclusão?
Os alunos do Ensino Profissional adquirem habilidades de natureza sociocultural – com disciplinas em tudo idênticas às dos percursos científico-humanísticos – e científicas, respigadas também dos mesmos, mas ajustadas a cada um dos cursos, funcionando como suporte teórico das componentes tecnológicas e práticas.
Após a conclusão, os discentes são detentores de dupla certificação – escolar e profissional – e tanto podem prosseguir estudos como ingressar no mundo do trabalho.
Assumindo-se como uma aliada das empresas, considera que a via profissionalizante é essencial na qualificação para a empregabilidade?
Naturalmente, a Formação Profissional responde às necessidades das empresas e os formandos que a frequentam, acedem ao mercado de trabalho com a maior facilidade, sendo a via mais rápida, mais qualificada e mais normal. As entidades empregadoras, salvo algumas ligadas a setores específicos de ponta, precisam muito mais de quadros intermédios, ou seja, de jovens com cursos profissionais, do que de quadros superiores.
No ano letivo 2020/2021, 37% dos alunos portugueses completaram o Ensino Profissional, um valor que fica muito aquém da média europeia (49%). De que forma é que perspetiva o panorama nacional atual?
Efetivamente, as estatísticas disponíveis no “Infoescolas” apontam dados ainda menos simpáticos: Na idade própria, isto é aos 15 e 16 anos, apenas 34% dos alunos transitam para o 10º ano, o que significa que 66% são encaminhados para cursos científico-humanísticos. Estes indicadores contrastam, em absoluto, com os dos países mais avançados da União Europeia, onde a percentagem ronda os 70%, enquanto Portugal nem sequer consegue aproximar-se da média que ronda os 50%. Só posso olhar para este panorama com muita preocupação, uma vez que, desta forma, a economia não pode deixar de ser endémica, especialmente porque faltam os recursos humanos devidamente qualificados.
Melhorar a perceção social do Ensino Profissional e elevar os níveis de qualidade da oferta são algumas das fragilidades presentes. Quais são as reformas prioritárias a executar no sistema de ensino?
O sistema de ensino profissionalizante no nosso país beneficiou, na sua génese, de um grande trabalho de investigação e alinhamento com as necessidades do país levado a cabo pelo GETAP e, particularmente, pelo Doutor Joaquim Azevedo. Atualmente, os planos curriculares dos nossos cursos são muito elogiados e considerados dos melhores modelos a nível europeu. Neste sentido, o sistema que temos desenhado no nosso país é eficiente e não carece de grandes melhorias. O que manifestamente é necessário é potenciá-lo e alinhá-lo com as necessidades do tecido económico e social.
Considera que existe um fosso entre os cursos cientifico-humanísticos e os cursos profissionais?
Importa ter em conta que, nos termos da Lei de Bases do Sistema Educativo, ambos os percursos são equivalentes.
O problema é que existem interesses corporativos entranhados nas Escolas Públicas, onde a maioria dos docentes só tem trabalho e horários se os alunos forem encaminhados para os cursos científico-humanísticos e, por isso, os estudantes são empurrados para esse modelo de ensino. Utiliza-se, recorrentemente, o argumento do prosseguimento de estudos para o Ensino Superior, no entanto, todos sabemos que uma grande maioria nunca entra nas Universidades. Nestes casos, os discentes ficam apenas com o 12º ano, sem qualquer formação qualificante, tendo grande probabilidade de engrossar o desemprego jovem ou realizar trabalho desqualificado, com baixos salários. É este o fosso entre um e outro. Já os alunos dos cursos profissionais obtêm um diploma e uma qualificação profissional, ingressando facilmente quer no mercado de trabalho, quer nas Instituições de Ensino Superior.
“Os formandos têm a possibilidade de realizar os estágios em países estrangeiros, durante a formação e depois de diplomados, o que é uma significativa mais-valia.”
No âmbito do Ensino Profissional, existem oportunidades de mobilidade europeia. Que mais-valias obtêm os formandos ao possuirem uma experiência além-fronteiras?
As Escolas Profissionais têm uma grande experiência de mobilidades na União Europeia, o que tem permitido aos responsáveis pela gestão das Escolas e aos professores apreciarem o trabalho desenvolvido em muitos outros países e adotarem as boas-práticas que são percecionadas nas visitas e nos intercâmbios produzidos, sendo os estudantes, os maiores beneficiários. Por outro lado, os formandos têm a possibilidade de realizar os estágios em países estrangeiros, durante a formação e depois de diplomados, o que é uma significativa mais-valia em termos de currículo.
Quais são os desafios que ainda se colocam neste campo? O estigma é um dos principais penalizadores?
Como referi, considero que o desafio é fazer com que seja passada uma informação correta aos alunos e respetivas famílias. Por outro lado, é necessário que as Escolas Básicas e Agrupamentos não fechem as portas às Escolas Profissionais, impedindo-as de ir às turmas explicar e divulgar as diferentes ofertas formativas.
O estigma de que se fala é induzido pelas próprias Instituições e pelos seus atores. Mesmo os mais esclarecidos não têm conhecimento suficiente sobre as vias a prosseguir na passagem do 9º ano para o 10º ano e facilmente se deixam levar pelo que ouvem. Se na Escola dizem, erradamente, que o Ensino Profissional é péssimo, para não citar algo menos vernáculo, face ao discurso, muitos acreditam e são induzidos em erro.
Têm surgido várias opções profissionalizantes no pós secundário. Em que medida o aparecimento dos CTeSP tem contribuído positivamente para uma maior notoriedade e valorização da Formação Profissional?
Os CTeSP correspondem a mais uma oportunidade para os estudantes que terminam um curso profissional e em nada estamos contra. Entendemos, porém, que deveriam ser trajetos de especialização de nível 5 para discentes com o nível 4, porém as Universidades e os Politécnicos estão, apenas, a colocar jovens que possuam o 12º ano de escolaridade.
Posto isto, concluímos que é indispensável a construção de um maior alinhamento com as formações qualificantes ministradas nas Escolas Profissionais.
Que mensagem pretende dirigir aos jovens que estejam a ponderar apostar no Ensino Profissional?
A mensagem é simples e direcionada aos jovens e às suas famílias: Informem-se junto das Escolas Profissionais e desconfiem sempre de quem afirmar que a melhor opção no Ensino Secundário é a frequência de um curso científico-humanístico. Apreciem sempre, isso sim, quem desinteressadamente apontar os diferentes caminhos, sem desconsiderar as mais-valias dos percursos de dupla certificação, escolar e profissional, promovidos pelas Escolas Secundárias e pelas Escolas Profissionais.