ADN Escolas: Escola Secundária Homem de Cristo
Já percorremos o país de norte a sul para ouvir a voz dos/as diretores/as de dezenas de Escolas Secundárias. Todas elas com o seu ADN único e intransmissível, mas ainda não tínhamos conhecido a essência da Escola que ocupa o primeiro edifício construído em Portugal e de raiz, para ser uma Escola Secundária. A Escola Secundária Homem de Cristo, construída em 1860, comemorou no dia 15 de fevereiro, 160 anos de existência. Vem connosco conhecer a Escola Secundária mais mais antiga de Portugal pela voz do seu diretor Vitor Marques.
Qual é o principal objetivo traçado para a escola para o atual ano letivo?
Infelizmente, após um complexo tempo motivado pela pandemia, todos os esforços se encontravam direcionados para uma recuperação/ consolidação das aprendizagens, mas num estreito equilíbrio com as preocupações sócio emocionais e de reequilíbrio comportamental, que tão afetado foi pelas restrições pandémicas.
Este desiderato era e é fundamental e de estruturante importância para consolidar futuros e mecanismos básicos de interação pessoal e social.
Porém, esta ação/intenção, está a ser muito difícil de operacionalizar e concretizar de modo transversal e consistente, pois um conjunto alargado de fatores (laborais, socioprofissionais, de contexto económico-financeiro, demográficos, dificuldades de recrutamento, precariedade laboral de docentes e AO, experimentalismos pedagógicos, obesidade curricular, autonomia diminuta,…) tornou a organização escola, hoje, num lugar onde a generalidade das pessoas anda triste, desmotivada, revoltada e desencantada, sujeitas a enorme peso de tarefas burocráticas, demasiados e desajustados mecanismos de controlo externo, minando a disponibilidade para ir além, algo que era tão forte na organização escolar. Falta “coração e alma” nas comunidades escolares.
Roubaram-lhes a paixão! Assim, a par com a questão das aprendizagens significativas, da retoma de metodologias ativas centradas no aluno e de projeto, que façam recuperar o gosto pelo conhecimento e pelo saber ser e estar, o reconhecimento e interiorização efetiva da escola como mais-valia e pilar, urge recuperar a alegria e o bom clima organizacional, apaziguar contextos de conflitualidade latente, tornar a escola num local de felicidade (“happy school”) e de trabalho profícuo e qualificante.
Urge também recuperar a valia e a autoestima da classe docente e reconhecer/potenciar a sua elevada profissionalidade.
No passado mês de dezembro estiveram a decorrer dois projetos, “Natal Solidário” e a “Campanha de Recolha de Alimentos”, promovida pelo Banco Alimentar contra a Fome. De que forma sente que essas ações contribuem para a transmissão de valores que consideram essenciais serem transmitidos aos mais jovens?
Elas são um instrumento essencial da nossa estratégia para a inclusão e a cidadania e o grande instrumento da sua operacionalização, a par com as práticas de voluntariado que já são algo enraizado no nosso universo escolar.
“É preciso recuperar o gosto pelo conhecimento e pelo saber ser e estar, o reconhecimento e interiorização efetiva da escola como mais-valia e pilar, tornar a escola como local de felicidade (“happy school”) e de trabalho profícuo e qualificante.”
Depois de um período pandémico com fortes e profundas alterações no ensino e na forma de socialização dos alunos e professores, quais são as consequências positivas ou negativas dessa fase que ainda se fazem sentir?
Urge recuperar afetos e empatias, ou, como bem descreve Yuval Harari na dedicatória da sua obra “Homo Deus”: “Para o meu professor… que com afeto me ensinou coisas importantes”. E isto não está a ser nada fácil…
Há muita pressão e muitas abordagens, por vezes quase inquisitórias, nomeadamente por parte dos pais e E.E, que sendo parceiros indispensáveis, transferem para a escola a pressão social e económica-laboral que também sentem e a que estão sujeitos.
Compreende-se e aceita-se, mas foi algo que estava ultrapassado e/ou era residual, e que a pandemia fez retornar em força. Ao já exigente papel da escola, acrescentou-lhes ao contexto mais umas quantas funções e papéis, e nem sempre as que deveriam ser as suas funções primordiais.
Assistiu-se igualmente a um acentuar do “transbordamento da escola” (para usar a expressão feliz de A. Nóvoa) onde tudo lhe é exigido e pedido por parte da comunidade e das instituições envolventes.
Ficou também inequívoco o hiato geracional entre docentes e alunos, com uma grande percentagem de docentes cansados pela idade e pelas circunstâncias, desvalorizados ou com dificuldades em acompanhar estas mudanças.
Mas também surgiram da adversidade coisas positivas e bons augúrios, a que só uma mudança súbita e inesperada poderia impulsionar, nomeadamente nos aspetos da comunicação, da celeridade e transversalidade de ações e atividades, de partilha entre pares, de aceleração das potencialidades (e da inevitabilidade) do digital, da alteração progressiva do paradigma da avaliação/classificação, do progressivo abandono do “manual” para o projeto, dum saber transmissivo para um saber de aprendizagens partilhadas.
Por último, qual a mensagem que gostaria de deixar aos estudantes, enquanto diretor da Escola Secundária Homem de Cristo?
É já famosa intramuros a expressão que uso frequentemente nos meus encontros regulares com as turmas e alunos, nas assembleias de turma ou de delegados de ciclo, em que sempre começo e termino (explicando e clarificando o que tal significa, implica e não dispensa) que “há mais vida para além da escola”.
“MUDAR O PARADIGMA, QUESTIONAR, OUSAR FAZER DIFERENTE” é o desafio que está lançado e que seguramente concretizaremos com sucesso, na construção de uma cultura de escola diferenciadora e potenciadora de capacitações significativas e que aqui se começa o amanhã mais risonho, mais feliz, mais pacifico e tranquilo. O desafio está lançado, e é permanente.