Entrevista a Subcomissária do Plano Nacional da Leitura: “A leitura ajuda a viver e os jovens têm muito caminho a percorrer”
Todos conhecemos o Plano Nacional da Leitura e estamos acostumados a ver o símbolo do PNL nos livros recomendados, nas prateleiras das livrarias. Mas em que consiste na prática este Plano? Existem outros projetos associados? Que trabalho é desenvolvido na prática junto dos alunos e das escolas? Foi o que quisemos perceber junto de Andreia Brites, Subcomissária do Plano Nacional da Leitura. Vem daí, ler connosco!
A sigla “PNL” e a expressão Plano Nacional da Leitura é nos muito familiar. Mas, em que consiste na prática o Plano Nacional da Leitura?
O Plano Nacional de Leitura é um programa que desenha estratégias de leitura pública com o objetivo de elevar os níveis de literacia e os hábitos de leitura. Em suma, trata-se de um programa congregador e disseminador de uma cultura leitora nacional.
Qual o trabalho que desenvolvem?
Desenvolvemos projetos que visam a promoção da leitura e o desenvolvimento de competências de literacia e apoiamos quer a comunidade escolar, quer os municípios ou comunidades intermunicipais a criar, implementar e avaliar os seus próprios programas através de projetos próprios como o LOSA, os Planos Locais de Leitura, os Clubes de Leitura, o Ler+ Qualifica ou através da consultoria. Temos um catálogo de livros recomendados por especialistas para todos os perfis de leitores. Oferecemos ainda um programa de formação à comunidade escolar e à população interessada.
Qual é o propósito e missão do projeto “10 minutos a Ler”? Há quantos anos decorre?
O projeto 10 minutos a Ler propõe-se criar e desenvolver hábitos de leitura. Começou em 2019 e inspirou-se no sucesso que a ação estava a ter na Escola Básica Carlos Gargaté, que desenvolvia à época o projeto internacional Read On e integrava os 10 minutos a ler como uma das suas iniciativas. O Plano Nacional de Leitura tem como objetivo alargar o projeto a empresas e instituições fora da comunidade escolar, com o objetivo de criar uma dinâmica comunitária com efeitos sociais e familiares de motivação para a leitura.
Atualmente quantas escolas estão inseridas no projeto?
Anualmente, o PNL apoia cinquenta agrupamentos e escolas não agrupadas com verba para aquisição de fundo documental que suporte o projeto. Para além das escolas que são apoiadas, há muitas outras que o fazem sem o apoio do Plano Nacional de Leitura.
Qual é o feedback que tem em termos de envolvimento dos alunos no projeto e consequentemente das escolas?
O feedback de alunos e professores é tendencialmente bom ao fim do primeiro ano de implementação. Os alunos gostam do ritual de entrar na sala de aula e não começarem logo com as atividades específicas da disciplina. Gostam igualmente de ver o que os outros, em particular o professor, traz para ler. É uma partilha de uma experiência individual. Tem qualquer coisa de íntimo, reconfortante e transformador.
Alguns professores denotam que os alunos ficam mais calmos e que essas aulas decorrem com mais fluidez e ritmo. Outros assinalam que ao longo da experiência e através das escolhas de alguns alunos os ficaram a conhecer melhor.
De que forma o projeto “10 minutos a Ler” decorre no meio escolar?
Pode decorrer de várias formas, sendo a ideal a seguinte:
Diariamente, todos os alunos leem durante 10 minutos no início de uma aula. Cada um lê o que entender, podendo trazer um livro de casa ou ir buscá-lo à biblioteca. Se nenhuma das opções funcionar, pode ler um manual que tenha consigo. De fora fica qualquer leitura digital. O professor também traz o seu livro e cumpre os mesmos dez minutos.
Um dos problemas que os professores e as escolas identificam é o facto de estes dez minutos não poderem acontecer sempre no mesmo horário porque roubam demasiado tempo a uma única disciplina. Há uma possibilidade: fazer uma escala. Na primeira semana do mês os dez minutos acontecem ao primeiro tempo, na segunda semana do mês ao segundo, na terceira, ao terceiro, etc…
Há quem só leia dez minutos na aula de português, há quem só leia na aula de cidadania, uma vez por semana. Quando assim é o objetivo principal não se cumpre. É melhor do que nada, mas o objetivo do projeto fica enviesado.
“Quem lê, lerá sempre mais e melhor, e ficará mais bem preparado para a vida. É por isso que ler todos os dias é tão importante” porque é que ler é tão importante para a preparação dos jovens para a vida?
É importante ler sempre. É importante ler porque existimos através da linguagem e quanto mais versátil e rica ela for, melhor compreendemos o mundo. É importante porque baixamos o ritmo fragmentário com que comunicamos e recebemos e transmitimos informação: ler obriga-nos a estar concentrados, a projetar, a visualizar, a supor, a inferir, a questionar. É importante para ginasticar o cérebro, para alargar a curiosidade, para conhecer. Isto acontece e deve acontecer sempre, ao longo da vida. A leitura é uma companhia contra a solidão. Lendo com regularidade e frequência apuramos competências. A leitura ajuda a viver e os jovens têm muito caminho a percorrer.
Sente que este hábito ou exercício de ler está a perder-se de geração para geração? De que modo, este projeto pode ser uma maneira de incentivo à leitura?
Há contextos que dificultam cada vez mais o desenvolvimento de hábitos de leitura. A ausência de silêncio, a desvalorização da contemplação, a perda de competências de literacia e de comunicação oral pela população mais escolarizada, a simplificação do discurso de consumo, a transformação da informação em exploração emocional, a fragmentação da comunicação no universo digital… poderia continuar.
O que este projeto traz de forma muito simples é uma encenação do ambiente de leitura. No passado liamos na cama, sentados no sofá da sala a ouvir música, na paragem do autocarro, no banco do jardim. Conseguíamos fazê-lo no tempo que tínhamos disponível. Agora esse tempo é canalizado para outras direções. Estar dez minutos a ler numa sala de aula é a garantia de que aquilo que alguns faziam voluntariamente é realizado por todos. É um princípio democrático que devolve uma experiência que poderá, para alguns, alicerçar-se num hábito. Haverá quem nunca tenha conseguido acabar de ler um livro e que o consiga com este projeto. Isso será uma vitória. Haverá quem descubra um autor ou uma coleção de que realmente goste. Haverá quem sinta pela primeira vez a curiosidade de ler só mais uma página para descobrir o que vai acontecer a seguir. Haverá quem sinta que as suas escolhas são finalmente aceites. A probabilidade de sucesso é imensa, porque há tempo para tudo isto acontecer com alguns. E alguns é muito melhor do que nenhuns.
Na sua opinião, quais os livros que todos os adolescentes/jovens adultos devem ler?
Não sou a favor dos cânones. Melhor, sou a favor dos cânones na academia. Sou a favor do debate, da reflexão, do pensamento sobre literatura, leitura, história do livro e das ideias. Sou claramente a favor da legitimação do valor literário e científico de uma obra por especialistas, académicos e investigadores.
No percurso individual de cada um, creio que o nosso papel é de partilha. É assim que encaro a mediação. Quantas vezes é o entusiasmo de alguém a falar-nos sobre uma leitura que nos leva a ir em busca do mesmo prazer? Claro que tenho um cânone pessoal, entre livros que me formaram, livros que não li e gostava de ter lido, livros que li e que foram reconfortantes, livros que foram importantes numa dada época e que hoje não têm qualquer efeito em mim… Os adolescentes/ jovens devem poder ter acesso a livros muito diversos e devem ter junto de si quem os ajude na escolha, mediando e criando expectativas. Cabe ao mediador mostrar livros de qualidade. É um critério muito importante. Mas este critério, por si só, não funciona. Tem de andar a par de um conhecimento do leitor, do seu contexto, das suas preferências e das suas competências.