A unicidade da essência de Dino D’Santiago é inquestionável. Bebe o néctar da multiculturalidade para criar a música que trespassa vários estilos musicais, ao dar voz e corpo a todas as cidades e povos que fazem parte da sua estória. A família e os amigos são a sua base e os valores que lhe deram são o que o movem. A grande revelação nacional junta a diversidade e beleza das diferenças que nos unem, entoando ternura e humildade em cada verso, toque de arte ou mero contacto.
Além de um viajante de países e cidades, és também um viajante de estilos musicais. Há algum género musical que gostasses de experimentar num futuro próximo?
Eu sinto-me um verdadeiro filho do mundo, desde criança que assim é. Sou explorador por natureza e gosto de desafios, acredito claramente que ainda há muitos estilos que quero explorar. Mas tracei uma meta e nos próximos três anos quero dedicar a minha obra a enaltecer os sons e tradições das culturas e falantes da língua portuguesa. Viajar entre os sons de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé. Sabendo claramente que ainda tenho muito por onde explorar nas dez ilhas de Cabo Verde, mas este é um compromisso que quero levar até ao fim.
De onde veio a mistura de vários estilos musicais no teu trabalho?
Esta mistura de vários estilos musicais na minha vida, acontece na cidade onde nasci e cresci, Quarteira. Cidade bastante eclética culturalmente, onde várias identidades, sons e costumes se fundem desde sempre. De Marrocos a Cabo Verde, do Senegal a Angola e Guiné, de São Tomé a expatriados da África do Sul, até à chegada mais recente das gentes dos Países de Leste e anteriormente do Norte do Brasil. Então é na Quarteira, onde o português se diversifica nos seus vários sotaques carregados que encontrei a minha matriz, da Morna ao Fado, do Kuduro à Passada dos anos 90 e do Grunge do meu ciclo até ao género que mais me fez crescer, baptizado de hip hop tuga!
Algarve, Porto, Cabo Verde, Lisboa… Foram várias as cidades que te marcaram, mas com qual tens uma ligação mais forte? Porquê?
De Quarteira para o Porto, do Porto para Santiago e de Santiago a Lisboa. Estas quatro cidades representam a minha estória! Não consigo mesmo separar a estória que me liga a cada uma das cidades e dar mais importância a uma delas. Quarteira é o meu berço, o Porto a minha escola, Santiago a minha raiz e Lisboa a minha aculturação.
O que te levou a Cabo Verde?
A minha primeira viagem a Cabo Verde acontece em dezembro de 1989, uma viagem que para mim foi traumatizante, pelo facto dos meus pais serem do interior de Santiago. Uma zona remota, a típica terra que carinhosamente apelido de “atrás do pôr do sol”. Não havia água potável, não havia luz elétrica, o telhado era de palha, família católica praticante que todos os dias rezava o terço às cinco da tarde, idas à missa ao Domingo no cimo de uma montanha… Foi tudo tão intenso para aquela criança de seis anos de idade, que só acabaria por regressar a Cabo Verde 22 anos depois. E é nesse regresso, já como adulto e na tentativa de perceber o porquê dos meus pais sentirem a necessidade de regressar, que descubro a verdadeira riqueza daquela terra e essa é a riqueza humana, a finalmente compreendida “Morabeza” que mudou o rumo da minha estória e missão cultural para sempre!
Sabemos que foste ao “IPBejaDáteArte”, um programa do IPBeja que destaca a arte e cultura como prioridade, tanto para o público como para a comunidade académica. Consideras eventos como este necessários para manter viva a cultura portuguesa nas várias gerações?
Considero que todos os eventos que enalteçam a herança que a língua portuguesa e seus derivados, são da máxima importância e relevância para todos nós! É importante percebermos que hoje somos mais de 200 milhões de falantes de uma mesma língua, somos uma mistura preciosa de culturas combinadas. Projetos como o “IPBejaDáteArte”, que sai do interior do Baixo Alentejo, abraçando esses vários universos, mas sempre com o cuidado de nos mostrar o que de mais precioso se faz na região, sempre com o cuidado de bem receber quem ali chega, como foi o meu caso, onde tive uma professora/produtora como a querida Ana Paula, que me fez sentir em casa, e que de forma apaixonada me fez gostar ainda mais de ser português.
Qual é a tua ligação com a cidade de Beja?
A minha maior ligação com a cidade de Beja, vem de um grande amigo de Quarteira, que estudou em Beja e amou o tempo que lá passou! Chama-se João Espada, é dele que reconheço a paixão pela cidade de Beja. Também por lá passei com dois projetos musicais, na mítica Ovibeja.
“Quarteira é o meu berço, o Porto a minha escola, Santiago a minha raiz e Lisboa a minha aculturação”
Sentes que atualmente prosseguir os estudos e ingressar no Ensino Superior em Portugal é algo necessário para a sociedade? Ou estudar até ao Ensino Secundário é o suficiente?
Sempre acreditei que a riqueza que recebemos com uma formação superior é, sem dúvidas, uma das bagagens mais positivas que podemos carregar para as nossas vidas! O conhecimento e a ampliação de argumentos que podemos trazer para o dia a dia da nossa vida. As ferramentas que podemos adquirir são determinantes num futuro próximo e, muitas vezes, por termos de decidir tão cedo que curso tirar, perdemo-nos na escolha e tentamos seguir o que os nossos pais acham ser o melhor para nós ou, como na maioria das vezes, seguimos os cursos onde temos os nossos melhores amigos. É nessa falta de nos conhecermos e sabermos o que é mais importante para nós, que reside um grande problema de identidade e isso depois refl ete-se nas constantes mudanças de curso. Eu hoje sei claramente que curso pretendo tirar, Ilustração, mas arrependo-me de não ter entrado mais cedo. Felizmente ainda vou a tempo.
Que conselhos darias a um jovem que se encontra prestes a ingressar no Ensino Superior?
O maior conselho seria o de seguir a sua intuição e escolher algo que realmente faça todo o sentido para a sua vida e o faça sentir-se o mais pleno possível, mesmo que não vá de encontro às expetativas dos familiares e amigos. Temos que ser felizes nas nossas escolhas e isso só acontece quando somos verdadeiros com a nossa essência.
Foste o primeiro português na revista Rolling Stone, qual foi o sentimento de teres esse destaque?
Para mim foi uma honra quando recebi a chamada do Elias, para uma das entrevistas mais bem conduzidas que tive até hoje. Mas confesso que a minha maior felicidade veio dos reflexos dos meus amigos e familiares, o orgulho estampado nos seus olhares é o meu alimento.
Vais manter o registo Funaná nos teus próximos singles?
O Funaná é a minha tatuagem. Posso navegar por outros mares, mas no final do dia tomo um duche e a tatuagem continua lá.
Na tua música dás muito destaque à multiculturalidade sem preconceitos. É nessa ideologia que te centras sempre na criação do teu trabalho musical?
Para mim, a música é não mais do que uma plataforma de comunicação, onde imprimo os meus ideais, sonhos e missões. A multiculturalidade é o néctar que saboreio enquanto escrevo. A diversidade e a beleza das diferenças que nos unem, mais do que o foco daquilo que nos separa.
Porquê o termo “Nova Lisboa”?
“Nova Lisboa” porque é a experiência que estou a viver e a ter oportunidade de sentir de perto. Depois de cantar em cidades como Nova Yorque, São Paulo, Luanda, Londres, Berlim, Paris, Ulsan, Roterdão ou Varsóvia, tive a oportunidade e chance de perceber a riqueza incondicional que é viver numa cidade como Lisboa. Enquanto que nas outras cidades encontrei muitas culturas separaras por guetos e elites, em Lisboa encontro a aculturação e a mistura maravilhosa! Chego a uma noite como a Na Surra ou uma noite da Príncipe e viajo no misto de cores, sons e línguas! E é essa “Nova Lisboa” que vai acontecendo de forma secular que me fascina.
O Mundu Nôbu surgiu do explorar de um mundo novo para ti?
O Mundu Nôbu é o meu encontro e fusão da tradição com o modernismo. A combinação entre o antigo e o novo mundo sonoro que faz parte dos meus vários tempos espaciais e cronológicos. É a minha contínua redescoberta.
De onde vem a tua inspiração?
Sou uma pessoa que sou completamente inspirado pelo meu dia a dia! Só consigo escrever autobiografi as. Baseio-me nas estórias que vou tendo, na situação sociocultural do meu tempo, nas viagens e países por onde passo, dos encontros e desencontros… inspiro-me no meu mundo e nas minhas pessoas.
Foste o mais premiado na primeira edição dos Play (Prémios da Música Portuguesa), ao vencer três das 12 categorias (Melhor Artista Solo, Melhor Álbum e Prémio Crítica). Estavas à espera? Como foi receber estes prémios?
Aqui está um momento da minha vida que não esperava que acontecesse tão cedo. Os primeiros prémios que elevam o que de melhor se fez e faz a nível musical na língua portuguesa, onde o júri que votou é especializado, onde toda a indústria da música, editoras, produtores, managers e músicos se encontram todos pela primeira vez num evento e celebram as três vitórias do Mundu Nôbu, álbum 80% cantado em crioulo de Santiago. É a prova máxima de que realmente vivemos num dos países mais inclusivos do mundo. A arte venceu e isso fez-me muito feliz.
A simpatia, humildade e facilidade de contactar com as pessoas fazem parte da tua imagem de marca. É algo natural ou obrigas-te a agir dessa forma porque achas que é o que faz sentido no teu dia a dia? Sempre foste assim?
Sempre me conheci deste jeito. Desde puto que tenho uma família de amigos extensa, com laços que me ligam a 22 anos de Quarteira, 11 do Porto e cinco de Lisboa, mais as dezenas de amigos espalhados por este mundo fora, todos eles sempre de portas abertas para mim, como a minha estará para todos eles. Sou um abençoado que tem uma família linda, pais e irmãos que oram diariamente por mim e acredito que isso faz com que nada de menos bom me aconteça na vida. Logo, se estou de bem com a vida, todos os que fazem parte dela beneficiam desse meu mood onde o grande privilegiado sou eu.
“Sinto-me um verdadeiro filho do mundo”
Conviveste com a Madonna, foste como um guia de Lisboa para ela e tiveste a oportunidade de gravar um single com a rainha do pop, para o seu novo álbum. Olhando para trás o que sentes ao perceber que tudo isto aconteceu contigo?
Foi uma benção da Cesária Évora. Já a agradeci por isso.
Em 2003, participaste no concurso de talentos “Operação Triunfo” e foi aí que Portugal te conheceu como Dino. Consideras que essa experiência te moldou como artista?
Essa experiência fez com que o Dino seguisse a sua profissão como músico ao invés do Dino Cartoonista. Foi um momento muito decisivo na minha vida.
És alguém muito próximo da tua família. O que consideras que de melhor te ensinou?
O amor pelo próximo é a maior aprendizagem que trago da minha família.
Tens novidades ou projetos a serem lançados num futuro próximo?
Tenho uma campanha de prevenção contra o abuso do álcool em Cabo Verde. A convite da Presidência da República, escrevi um hino juntamente com outros irmãos músicos, para sensibilizar na luta contra esse flagelo que já nos levou os maiores músicos de Cabo Verde. Tenho a realização do Movimento Sou Quarteira, juntamente com a Naomi Guerreiro, Miguel Mouska e Inês Mouska, onde elevaremos a cultura urbana da cidade de Quarteira, juntamente com a CMLoulé. A nível musical são vários os festivais onde estarei este ano e isso faz-me sentir pleno!
[FOTO: Cedida pelo entrevistado]