Chamou ao novo disco Augusta – o nome da sua avó, que diz ser uma das pessoas mais importantes da sua vida. Estende essa homenagem a todas as mulheres e convida três grandes vozes femininas para o ajudarem a fazê-lo: este disco tem colaborações de Áurea, Pérola e Cláudia Leitte.
A música surgiu como uma rota alternativa no caminho ou foi, desde sempre, um objetivo de vida?
Eu vim do bairro. Não tinha televisão, o meu pai e a minha mãe eram muito pobres. Várias casas tinham gramofones e tocavam imenso, a toda a hora: em poucos metros quadrados, eram músicas diferentes 24 sobre 24 horas. Quase que fui obrigado a ouvir música e a ser músico. Comecei a tocar e aos poucos fui gostando, fui-me envolvendo… A minha mãe era empregada doméstica, o meu pai era militar e teve de ir para a tropa. Comecei a escrever sobre a minha vida, sobre a saudade… Aprendi a tocar violão na rua, fui tocar nas praças, nos bares…
Com 18 anos, ganhei um carro novo num concurso de música. Naquele momento, senti que aquilo podia ser um caminho, uma profissão. Encarei isso como um sinal de que devia investir na minha carreira. O sonho foi-se construindo. Não estava destinado, mas também não foi uma alternativa. Foi algo que veio ter comigo, que eu fui abraçando. E hoje é a minha vida.
A sua infância continua a influenciar aquilo que compõe e os temas das músicas?
Os artistas, especialmente os compositores, são muito feitos daquilo que recebem, do que não recebem, do que gostariam de receber… É assim que se vai construindo a sua essência. Apesar de uma situação de pobreza extrema, sempre fui muito amado, muito protegido. Especialmente por mulheres – a minha avó, a minha mãe. Tive sempre amor por perto. Hoje, quando escrevo, tem a ver com todos esses capítulos que vivi. Costumo dizer que a minha alma é um bocado velha: vivi muito em pouco tempo.
No início, quem foi a sua maior inspiração no mundo da música?
Nasci em Benguela, Angola. Terra do Bonga, do Filipe Mukenga, do André e do Rui Mingas. Felizmente, havia muitas boas referências. Pepetela, José Luandino Vieira, Jacinto Lemos. Escritores com uma forma muito específica de escrever, dadas as circunstâncias do país. A literatura angolana e os artistas que mencionei foram as minhas fontes de inspiração na escrita. Artisticamente, ouvi Michael Jackson, Madonna, de tudo um pouco da música pop que havia no mundo. Como não sabia falar inglês, não posso dizer que me inspirei nas letras deles: ia, sim, buscar os ritmos, os sons…
Quem é Augusta e porque deu nome a este álbum?
Augusta é a minha avó, uma das mulheres mais importantes da minha vida. Quando o meu pai foi para a tropa, só podia levar um filho. Levou o meu irmão, bebé de colo, e eu fiquei com a minha avó em Benguela. Ela fazia a comida, cuidava de mim, contava-me histórias, levava-me para a lavra. Falava umbundu e eu também falo, porque aprendi com ela. Ensinou-me tudo sobre o amor e como esse era o sentimento mais importante do mundo. Disse-me que quando se ama é mais fácil, que a vida é mais leve. Deu-me esses valores. Muito do que eu sou deve-se a Augusta. Desde tenra idade que ela fez a minha consciência. Já há muito que a queria homenagear, mas sentia que não estava emocionalmente nem psicologicamente preparado. Passados esses anos, cá está a homenagem. Ela foi um pilar para tudo o que sou como pessoa, pai, marido, artista. Chamei três mulheres que admiro muito, como profissionais e artistas, para me ajudar a honrá-la: a Pérola, de Angola, A Áurea, de Portugal, e a Cláudia Leite, do Brasil.
Como foi feita a escolha dessas vozes femininas?
Eu já lhes mandava mensagens a dizer que era fã delas… A Áurea é uma artista incrível! Tem uma força na voz, uma presença em palco… A Pérola dispensa apresentações, tem anos de sucesso. A Cláudia Leite, porque a Bahia tem muito a ver com Angola, tem uma relação muito forte. Em Angola sempre se ouviu muita música brasileira e sou grande fã da Cláudia. Senti que precisava de vozes femininas para dar um incremento ao álbum e convidei estas grandes mulheres.
Como é receber todo este bom feedback da colaboração com a Mariza?
O Quem me Dera é um verdadeiro sucesso. Quando a Mariza abraça uma canção, fá-lo com toda a alma e grandeza que tem. É alta em tudo – no tamanho, na voz, no talento. DIsseram-me que ela queria gravar um tema meu. Escolhi aquele que achava que era o melhor e que se identificava com ela e mandei-lhe pelo Whatsapp. Marcámos um jantar e ela disse que adorava a canção, que era exatamente aquilo que estava à procura. Entre a composição, a voz e o violão, surgiu um verdadeiro sucesso – entre as crianças, os jovens, os adultos… Foi um privilégio.
Enquanto escrevia Loucos, imaginava o enorme sucesso que viria a ser?
Há algo de mágico na produção das canções. Essa foi feita em Luanda. Estava na cozinha da minha casa, com o meu violão. Escrevi o que me ia na alma. Até estar no papel e ser gravada, não é nada de palpável…Quem faz o sucesso das canções são as pessoas, que se apropriam das palavras. Da viola e da minha voz até aos 45 milhões de visualizações é um processo muito grande, uma indústria, muitas pessoas que ouvem e interpretam… Podemos emocionar-nos com a canção e achar que ela é boa, mas daí a passar para este patamar? É mágico.
Recebe muito carinho dos fãs?
Adoro os fãs. Tenho muita pena de não os poder abraçar a todos, tirar fotografias com cada um… Gosto de os olhar nos olhos, de lhe dedicar palavras de amor. Sempre que posso, ouço as suas histórias. Contam-me que começaram a namorar ou casaram ao som das minhas canções, ou que têm um filho com o nome Matias. É uma alegria tê-los comigo. Tento abraçá-los com as minhas músicas, já que são muitos e não os posso abraçar pessoalmente a todos.
Que desejos quer ver realizados no futuro?
Quero continuar a ter força para escrever as minhas canções, para editar outros álbuns, conquistar novos mercados… Levar a minha música a cada vez mais pessoas no mundo. E um dia quero sentar-me aqui contigo, numa entrevista, para falarmos sobre o Grammy.
[Fotos: cedidas pelo entrevistado]