Esta frase é de Teresa Calçada, Comissária do Plano Nacional de Leitura, entidade que existe para explicar a importância que tem o ato de ler. E fá-lo através de várias iniciativas que colocam desafios aliciantes.
Para aqueles que andem um pouco mais distraídos, o que é isto do Plano Nacional de Leitura (PNL)?
O objetivo do PNL é ler, é a leitura. Não estamos necessariamente a falar de livros, mas sim de leitura, seja em que suporte for. E o que gostaríamos de fazer é passar a mensagem de que, embora não esteja na moda, a leitura não tem de ser ostracizada. Rapidamente se vê que a nossa tarefa é muito difícil, e quem está no PNL sabe que está a divulgar um produto que, nos tempos de hoje, não é imediatamente atrativo. É por isso que tentamos quebrar esta barreira e sensibilizar os jovens para que não tenham preconceitos em relação à leitura. A leitura, primeiro, estranha-se mas, depois, entranha-se.
Esta barreira às vezes é quebrada, mas outras vezes não é quebrada, porque hoje vive-se o tempo de forma demasiado rápida e autoimposta para que possa dar espaço à leitura. O mundo de hoje é contrário à natureza da leitura, porque é algo que não acontece nem facilmente nem depressa – é preciso dominar um código, interpretar, decifrar a metalinguagem das palavras, e isso pede uma certa distância, um tempo lento que não é imediatamente compatível com a aceleração com que vivemos o nosso dia a dia.
Apesar disso, existem facilidades que advêm do digital e de termos os bens e o acesso à informação e à leitura. E hoje, viver é ler muito. Até para os jovens, mesmo que eles muitas vezes não se apercebam que o estão a fazer.
O problema é que a leitura é, muitas vezes, identificada com a literatura e, isso, é um obstáculo para a mente dos jovens. Ler é, como qualquer arte performativa, algo que precisa de treino e que se pode fazer com muitos tipos de textos. Mas, normalmente, os jovens associam a leitura a romances com muitas páginas e, talvez por isso, não seja a melhor ideia colocar-lhes Os Maias à frente quando eles nunca leram nada, até aí. Assusta-os e afasta-os.
Por estas razões, pôr os jovens a ler não é fácil, mas também não é impossível. E isso faz parte da aventura, para quem trabalha no PNL. Muito do nosso trabalho passa por recordar às pessoas que as grandes inovações e tendências tecnológicas destes dias – sejam os big data, a robótica, a realidade virtual ou a inteligência artificial – se suportam no domínio da palavra. Porque é preciso explicar e interpretar os números e é preciso ter um discurso sobre eles. É só mais uma forma que o PNL utiliza para fazer ver que é importante e é urgente ler. E isso faz-se de formas diferentes, e em níveis diferentes e, também, com ferramentas e álibis diferentes.
Acima de tudo, é importante combater o mito trazido pela conetividade permanente: os jovens pensam que está tudo e que aprendem tudo online e que, se não está lá, é porque não existe. É preciso criar situações que contrariem esta barreira, e que contrariem a associação da leitura ao contexto obrigatório da escolaridade e não ao prazer.
No final, a diferença entre estes jovens, quando eles forem adultos, vai estabelecer-se entre aqueles que têm conhecimentos básicos e manipuláveis, que estão disponíveis gratuitamente, em todo o lado, e aqueles que constroem literacias superiores e que são capazes de perceber estas dinâmicas. E é por haver pessoas que se ficam pelo que é imediato que continua a justificar-se a existência do Plano Nacional de Leitura, enquanto política pública.
O Plano Nacional de Leitura desenvolve várias iniciativas, no domínio da leitura mas, também, da escrita. Quais são?
Tendo em conta o pano de fundo com que trabalhamos, tentamos desenvolver iniciativas que possam contrariar esta perceção. Vamos dar início a algumas campanhas dirigidas a vários setores da sociedade, conforme a idade e os interesses, que se vão materializar em movimentos de rua.
Depois, o PNL vai realizar trabalho nas escolas, feito em parceria com os professores, com os bibliotecários e com todo o contexto escolar, que implica projetos e concursos com várias temáticas, para responder aos interesses dos alunos. Tens um fascínio pelo Oriente? O PNL tem uma parceria com o Museu do Oriente. Gostas da água e dos desportos de mar? O PNL põe os livros ao lado da vela, do surf e da ciência ligada ao mar, através do Pavilhão do Conhecimento e da Ciência Viva. Preferes música? Há um projeto conjunto com o Centro Cultural de Belém sobre a iniciativa Dias da Música.
Para além disso, há três projetos emblemáticos do Plano Nacional de Leitura: Ler+, Todos Juntos Podemos Ler e o Concurso Nacional de Leitura. São todos feitos com parcerias e com as escolas e o que pretendemos é que, nas bibliotecas e nos ambientes escolares seja criada a noção de que todos podem ler e todos devem ler e que, hoje, a tecnologia impede que as deficiências físicas ou psicológicas sejam impeditivas da nossa capacidade e gosto pela leitura. Queremos juntar-nos a quem faz bem no terreno, e fazer sinergias para que consigamos alcançar os nossos objetivos. O Concurso Nacional de Leitura é singular no sentido em que alia a leitura à escrita e à apresentação, porque pede aos alunos uma performance relacionada com o livro que leram.
Por fim, outro dos aspetos importantes do plano do PNL, os estudos, que enformam a parte científica do nosso trabalho e que procuram responder a lacunas que identificámos na explicação científica de certos fenómenos. Por exemplo, a repetência. Sabemos que temos um número elevado de ‘chumbos’ e sabemos que ele não pode ser transformado num problema administrativo. É um problema pedagógico que temos todos que enfrentar, cada um com as suas responsabilidades, e a sociedade civil (onde o PNL se enquadra) tem a missão de fornecer ferramentas que orientem e facilitem a vida dos professores. Só o conseguiremos fazer com financiamentos comunitários e do próprio Orçamento do Estado.
No dia 6 de novembro, o Plano Nacional de Leitura juntou várias personalidades para discutir A Urgência da Leitura. Porquê urgência?
Urgência de ler, exatamente porque sabemos que não somos o produto mais apetecível, fashion, trendy, cool, etc. Sabemos que, aos olhos dos jovens a leitura não se constitui como tal, embora todos nós leiamos coisas de que gostamos e muito mais gente lê hoje do que lia ontem. Não nos estamos a queixar de que as pessoas não leem, o problema é a valorização (ou falta dela) da urgência de ler, de ler mais e de ler bem. De ler com propriedade. O subtítulo é esse: não nos deixemos equivocar, ler pede cada vez mais capacidade, mais cidadania e o maior sucesso. É urgente não nos deixarmos contaminar pela ideia de que não é urgente e fazê-lo no presente, para garantir um futuro de progresso que não seja tomado pela barbárie.